segunda-feira, 22 de junho de 2020

Os Três Dragões




E agora vamos lutar contra os dragões…

O primeiro é o ideal de um produto bruto nacional sempre crescente e um sempre mais elevado nível de vida material. Neguemos tal ideal. O que queremos é que o produto nacional seja distribuído com justiça, isto é, com amor, e que a qualidade do nível de vida seja elevada. Como indivíduos podemos escolher ser pobres (não miseráveis com certeza) e recusar-mo-nos a comprar, passando para os outros o que é demasiado para nós. Sejamos pobres e sejamos coisas – repito, ser coisas, não ter coisas.

O segundo dragão é a informação, desde a bisbilhotice e a escola até à imprensa e à televisão. O modo de lutar é dizer a verdade, e somente a verdade, cada vez e em cada coisa, e estarmos prontos a informar quem quer ser informado. Noutras palavras, devemos ser professores de todos que queiram aprender e nunca deixarmos que a nossa inquiridora, ansiosa em aprender e crítica mente adormeça, nunca apoiar erros e mentiras, nunca ficar passiva em confronto com agressões contra a nossa inteligência, o nosso poder de julgar e comparar e o nosso poder criativo. Podemos fazer isto como indivíduos, como pontos com alma.

E eis que chega o terceiro dragão, o pior deles todos – a nossa tendência de pertencer a grupos, de ter um partido político ou uma igreja que pense por nós, de consultar ou seguir professores e gurus, numa palavra, de engolir a vida como criança chupa o leite do biberão. Na realidade nós somos piores, porque no nosso caso o leite já está digerido.


Está alerta em relação à dinâmica de grupos e de invenções skinnerianas similares. 
Tu podes com certeza conviver com os outros, mas nunca seres os outros. 
Eles podem ser muito bons, mas tu és sempre melhor porque és diferente e o único com as tuas características. 
Podes, e deves, ter ideias políticas, mas, por favor, as TUAS ideias políticas, não as ideias do teu partido; o TEU comportamento, não o comportamento dos teus líderes; os interesses de TODA a Humanidade, não os interesses de uma PARTE dela. 
E lembra-te que “parte” é a etimologia de “partido”. 
O mesmo se aplica às igrejas, se tens uma religião que não é a principal religião para mais ninguém, como um objecto é principal para todas as palavras que ela possa significar em todas as nossas linguagens. Está de sobreaviso em relação a gurus e outros líderes carismáticos. 
A atracção pessoal é o seu esconderijo e nada pode ser pior do que ela para a liberdade de actuar e pensar. Se possuis ou estás possuído, então estás perdido. Neste caso só o amor te poderá salvar. 
E amor é raro, raro e frágil, frágil e rápido.




Agostinho da Silva
Os Três Dragões
in,  Textos e Ensaios Filosóficos II




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