quinta-feira, 4 de junho de 2020

Invento o mundo







Invento o mundo, segunda edição, 
segunda edição corrigida, 
no riso, para os idiotas, 
no choro, para os melancólicos, 
nos pentes, para os carecas, 
nos sapatos, para os cães. 

Um capítulo: 
Fala das Plantas e dos Bichos, 
onde para cada espécie 
competente dicionário. 
Mesmo o mais simples bom dia 
que tu trocas com um peixe, 
na vida te fortalece, 
a ti, ao peixe e a todos. 

Este improviso de bosque -
há muito pressentido 
e de súbito em palavras acordado! 
Esta epopeia de corujas! 
Estes adágios do ouriço 
compostos 
quando estamos convencidos 
de que está só a dormir! 

O Tempo (capítulo II) 
tem direito a intrometer-se 
em tudo, seja no bom ou no mau. 
E, contudo, o que corrói as montanhas 
e afasta os mares e usa 
estar presente no giro das estrelas, 
não há-de ter o mais pequeno poder 
sobre os amantes, 
porque nus de mais, 
porque abraçados de mais, o espírito 
eriçado como pássaro num ombro. 

A velhice é só moral 
em vida de criminoso. 
Por isso todos são jovens! 
Sofrer (capítulo III) 
não tira o peso ao corpo 
e a morte 
virá enquanto dormires. 

E sonhares 
que afinal nem é preciso respirar, 
que o silêncio sem respiração 
é boa música, 
és pequeno, uma faúlha, 
e se te tocam apagas-te. 

Morte, só uma assim. Dor maior 
experimentaste ao segurares uma rosa, 
e terror maior sentiste 
vendo a pétala no chão. 

Mundo, só um assim. Viver, 
só desta maneira. E morrer, como antes visto. 
Tudo o resto é como Bach 
tocado em serra de circo.


Wislawa Szymborska





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