sexta-feira, 3 de julho de 2015

.......para lá das escrituras


Pergunta – O Zen é meditação, certo?
Ele é um corte, axiológico do próprio budismo. Então porque o Zen ainda é indexado ao budismo, se ele manteve a linha própria dele? Porque ele tem fundamentações para andar sozinho. O senhor mesmo colocou que os papéis são simplesmente coisas explícitas, escritas, e o tácito, o não escrito, é a base do Zen, então porque o Zen Budismo, não é somente o Zen?

Monge Genshô - Porque o Zen, do ponto de vista do Zen, é budismo. Dogen, fundador da nossa escola no Japão disse: isso é budismo, esses são os ensinamentos de Buda.
O budismo diz que o Zen consiste na transmissão de Buda para Mahakashyapa, porque ele levantou uma flor, numa assembléia sem dizer uma palavra e Mahakashyapa sorriu, e então ele disse: “Mahakashyaka foi o único que entendeu” o verdadeiro ensinamento, a verdadeira transmissão, é uma transmissão além das escrituras.

O Zen tem muitos textos? Tem.
Os professores estão sempre falando? Sim, sempre falando, e dando palestras.
Eu perguntei para meu mestre, “por que falamos tanto”? E ele disse: “porque isso é tudo que nós temos”. Não temos outra maneira de transmitir, além da palavra, dos livros, mas seu último estágio tem que ser além das palavras. Então o Zen quer dizer: “nós somos o ensinamento, aquele de Buda para Mahakashyapa”.

Surgiram muitas escolas, dos mais variados tipos, elas têm sentido? 
Tem, porque as pessoas são diferentes. Há pessoas devocionais, há pessoas estudiosas, há pessoas que querem se remeter ao significado das palavras originais, todas essas escolas têm suas virtudes.
O Zen também tem suas virtudes ao querer voltar à prática original de Buda - Buda sentou em zazen, então nós vamos sentar em zazen. Se Buda sentou nessa postura, então vamos sentar nessa postura, porque nós vamos imitar Buda. Essa é a essência do Zen.

Mas ela serve para todo mundo? 
Não, não serve para todo mundo. As escolas budistas são necessárias porque as pessoas são diferentes. As outras religiões também são necessárias, porque as pessoas são diferentes. Existem pessoas que precisam trilhar aquele outro caminho, e por isso essa diversidade não é pobreza, é riqueza.
Porque o Zen precisaria seguir o seu caminho, afinal de contas cada mestre segue o seu, os alunos seguem o mestre que querem! Então existem múltiplos caminhos.

Pergunta – Ontem na palestra o senhor deu ensinamentos sobre carma, sobre as escolhas, e se o senhor respondeu com a questão da sabedoria. Eu entendo que quanto mais sabedoria você buscar, mais clareza e menos sofrimento. Mas, e o medo? Pois se estamos aqui, temos a preocupação de mudarmos a nós mesmos, e às vezes a pessoa pode ficar o perturbada em tentar fazer sempre o melhor encontrar escolhas mais corretas, há esse medo do medo?

Monge Genshô - Não há que ser perfeito. Não tente. Seja o que você é, um homem comete erros, um homem se engana, na verdade, nós ao tentarmos seguir algum modelo ficaremos infelizes. Nós temos que fazer a nossa prática de sempre esquecer o passado. O erro do passado é sempre esquecido, agora vou fazer assim, melhor, porque produz menos sofrimento, mais felicidade para mim e para os outros seres.
Eu só estou andando, e a vida se mostra a cada passo. Não tente caminhar e ser perfeito.
Não tente ser santo, tente ser só um Bodhisattva, mas um Bodhisattva tem outra visão do mundo.

Nagarjuna foi assassinado, ele era um grande Mestre do século I ou II DC.
Os seus discípulos o encontraram esfaqueado, e perguntaram a ele: “quem fez isso”?
E ele disse: “eu mesmo”.
E os alunos disseram que sabiam que não fora ele que se esfaqueou, que dissesse quem havia feito aquilo, e ele disse: “isso é resultado do meu carma passado, de alguma maneira no meu passado eu criei condições para que isso acontecesse. Então fui eu mesmo que fiz isso, agora, se eu disse que uma pessoa fez isso comigo aqui e agora, um assassino, vocês o odiarão e o perseguirão, e esse ciclo não terá fim”.
E morreu sem revelar.
Ninguém sabe quem matou Nagarjuna.
Ninguém foi perseguido, não houve nenhuma vingança.
Essa é a visão do Bodhisattva.


in, O Pico da Montanha é Onde Estão os Meus Pés

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