quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Noite de Lisboa com auto-retrato e sombra de Ian Curtis





Filamentos de gelatinoso néon invadem a catedral 
em celulóide do filme nocturno: arquitectura de asas 
abóbadas de vento pássaros de lixo 
som 
pálpebras de lodo sobre a boca do homem que rasteja 
de engate em engate pelas avenidas da memória 
e quando encontra a porta de um bar mergulha no inferno 
bebe furiosamente 
o peito encostado ao zinco sujo duma geração de subúrbio 

presentes aqui os jovens, com a canga nos ombros 

e o mundo poderia desabar dentro de 5 minutos 
o copo estilhaça 
os vidros esfregados nos ombros no peito 
onde uma veia rebenta para mostrar o radioso canto 

depois dança contorce-se embriagado 
cobre o rosto suado com a ponta dos dedos espalha 
sangue e cuspo construindo a derradeira máscara 
cai para dentro do seu próprio labirinto 
como se a verticalidade do corpo fosse um veneno 

domina-o um estertor 
uma corda invisível ata-lhe a voz 
não se moverá mais 
apesar de nunca ter avistado os órgãos profundos do corpo 
sabe que também eles se calaram para sempre 

a noite é imensa e já não tem ruídos 
a morte vem dos pés sobe à cabeça alastra ferozmente 
mas a sua inquietante brancura 
só é perceptível na súbita erecção do enforcado 


Al Berto





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