Onde está quem amamos quando amamos
outro corpo de fogo em movimento?
P'ra que abismo corremos, p'ra que enganos,
quando as promessas são poeira ao vento?
.
De que matéria alheia mal tentamos
fugir quando a verdade mora dentro
de alguém a cujo céu nos entregamos
numa noite de sonho e de tormento?
.
Ainda somos humanos se traímos
por instinto um amor de tantos anos
e só àquele instante obedecemos?
.
Ainda somos humanos? Ou seremos
a febre que há no sangue quando vimos
de súbito morrer num corpo e vamos
em busca do inferno que merecemos?
.
Talvez por um momento então sejamos
sonâmbulos fantasmas do que fomos
reflectidos num espelho que não vemos
.
Ou talvez nesse corpo descubramos
a memória da alma que perdemos
p'ra sempre no momento em que transpomos
a fronteira dos gestos quotidianos
e ao sabor de um desejo destruímos
todas as intenções, todos os planos,
em nome dos prazeres mais supremos
na noite em que deixamos de ser donos
do nosso próprio corpo e abandonamos
angústias e remorsos e partimos
em busca da manhã que não sabemos
.
Onde está quem amamos quando somos
mais do que humanos? Mais? Ou muito menos?
FERNANDO PINTO DO AMARAL
in, POEMAS ESCOLHIDOS
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