foto de Marcos Borga
Há uma coisa que, geralmente, é confundida pelos psiquiatras e pelos psicanalistas com a depressão que é o luto. Freud dizia que a depressão é um luto patológico. O luto é uma reação perante a perda real de uma pessoa, o paradigma é a morte de uma pessoa amada. A depressão é a reação perante a perda do afeto de uma pessoa. É a rotura afetiva.
Há depressões normais e depressões patológicas. E lutos normais e lutos patológicos. O luto normal é de memória e de substituição. Eu vou-me esquecendo do meu pai que faleceu e substituo por um professor, amigos mais velhos. E há lutos patológicos, em que fico eternamente a pensar que me faz muita falta o meu pai que já morreu. A depressão é a mesma coisa. Nas normais, quando perco o afeto de uma pessoa importante para mim, deprimo. Mas na depressão patológica atribuo a culpa a mim.
A revolta é o grande remédio para a depressão. Começamos a melhorar quando nos começamos a revoltar. Há um estudo interessante do Durkeim, da primeira década do século XX, que diz que nos grandes períodos de guerra, os suicídios diminuem. Porque a revolta é permitida.
Somos um bocado passivos. Não somos nem muito revoltados, nem muito críticos, nem muito opositores. Isso também tem as suas vantagens. Os espanhóis não conseguiram o que nós conseguimos com os mouros. Afonso Henriques conseguiu o que conseguiu porque não matava os chefes mouros, eles eram feitos governadores civis. Ele vinha por aí abaixo, conquistando território, sem grande exército, e foi mais ou menos aceite.
Isso parece um traço comum até agora.
Somos uns engenhocas. Sabemos lidar com as situações. Só tínhamos um milhão de habitantes e conquistámos parte do mundo.
A depressão trata-se fundamentalmente pela reestruturação da pessoa pelo meio psicoterapêutico, restaurar a autoestima ferida. É que no luto a autoestima não é atingida, na depressão é. Isso já Freud tinha reparado. É um trabalho demorado, difícil. Nem sempre é necessário uma psicanálise, no divã, pode ser psicoterapia face a face. Depende dos casos, se é mais ligeiro, mais recente, consegue-se tratar face a face. Perceber como é que a pessoa se deprimiu e como é que pode sair disso. A psicoterapia esteve muito presa às causas, hoje pensamos nisso, mas sobretudo nas soluções. O que é que a pessoa pode fazer para sair da depressão. Levar a pessoa a perceber que aconteceu aquilo, mas a vida não acaba aí. Há outros interesses, o futuro.
O analista não é, como se julgou durante muito tempo, um guia, um orientador, um pai, um professor, um padre. Costumo defini-lo em duas funções: de farol, que ilumina e deixa o paciente escolher o seu caminho; e de catalisador, capaz de procurar o processo de mudança, com possibilidade de sucessos.
O analista tem de ter a capacidade de ser um bom ouvinte, que não critica, não castiga, leva o paciente a abrir-se. Ser suficientemente sensível para aceitar pôr-se na pele do paciente. É a chamada empatia, mas isso não chega. É pôr-se na pele do paciente e ter a resposta afetiva adequada, que não seja culpabilizante nem desvalorizante.
Em princípio, o paciente tem sempre razão. Vamos ver é se essa razão é total ou se não. Se ele fez qualquer coisa, lá tinha os seus motivos, a sua razão. Vou procurar essa razão, antes de julgar pela minha razão. Se um paciente me diz que bate todos os dias no filho eu fico um bocado irritado, mas devo pensar: ele deve ter alguma razão. O filho faz-lhe ciúmes porque é mais inteligente do que ele? O filho faz-lhe lembrar alguém de quem ele não gostava? Não se deve começar logo por criticar qual é a razão do paciente. É tentar compreendê-lo. Não há pacientes resistentes, há analistas incompetentes. Lembro-me de um texto antigo, de um discípulo de Freud, Wilhelm Stekel, que tem um livro, de 1911/12, que se chama “A Mulher Frígida.” E acaba com um parágrafo em que diz: mulheres frígidas não existem, o que existem é homens incompetentes.
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Não é fácil amar, mas é bom. E se não se amar não se vive.
É a coisa que nos mantém, que nos entusiasma e pelo qual vale a pena lutar.
O amor verdadeiro é um amor oblativo, que se propõe a dar. Mais do que captar. As relações são boas quando são recíprocas. No amor, na amizade, nas relações pessoais evoluídas, o mais importante é a pessoa. Enquanto que em relações mais primárias, mais biológicas, o que interessa é o que a pessoa nos dá. Uma coisa é eu gostar daquela pessoa como pessoa, e gostar de estar com ela, da companhia dela, de fazer projetos com ela. Outra coisa é estar a pensar em ir para a cama com ela.É cerebral e no corpo. Uma inundação de ocitocina. É um conjunto de felicidade, bem-estar.
O amor é bastante exclusivo. Embora isso seja também uma coisa cultural. O homem é fundamentalmente monogâmico. E a mulher mais que o homem. Há um problema que também tenho estudado, a relação tem de ser criativa. Se vão sempre jantar ao mesmo restaurante, se vão sempre ao cinema, com os mesmos amigos, a relação torna-se monótona, chata. Tem de haver inovação, temos necessidade de coisas novas. A monotonia mata.
Há os que não conseguiram ficar com uma só pessoa e também não temos o direito de estragar aquela estabilidade. Não sabemos se pode surgir uma coisa melhor, também pode surgir uma coisa pior.
É um estilo de vida. Não me parece que seja o mais fácil em ter sucesso, em que a pessoa se sinta sempre bem. Por exemplo, os que tinham amantes estavam sempre cheios de culpa. As que tinham os amantes, com medo de serem apanhadas.
Há pessoas que não são felizes na relação com o trabalho, com as pessoas, em geral, e defendem-se com a sexualidade. É uma vicariância erótica, eu não consigo ser amada, mas sou boa na cama.
Outra é a narcísica, não sinto que seja amado, mas sou admirado. São as pessoas que usam os títulos académicos.
É uma compensação.
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Os sonhos noturnos são coisas que o indivíduo já pensou e não refletiu muito por elas. O sonho, muitas vezes, revela coisas de que a pessoa não tomou consciência. Mas, outras vezes, são coisas de que já tomou uma consciência vaga e se tornam mais evidentes.
Os sonhos diurnos são mais importantes porque são sonhos de projeto. O devaneio, o pensamento onírico, pode acontecer nos noturnos, mas acontece mais nos diurnos. Não é aquele devaneio vago que a pessoa vê nas nuvens. É um sonho mais construído em que se vê a viver noutro país, a mudar de mulher, a mudar de emprego. A minha teoria atual na análise é não estar muito preso ao passado, mas estar mais virado para o futuro. Para o que o indivíduo deseja e pode fazer. O sonho diurno é projeto, um trabalho sobre o futuro, o que antecipamos fazer. Nós, humanos, estamos sempre a antecipar o futuro. E por isso construímos uma família, uma civilização, escrevemos livros. Fazemos pontes para durar 200 anos.
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A dor É inevitável. Existe. É um sinal de que as coisas não estão a correr bem e temos de fazer qualquer coisa para ultrapassar. A ideia da civilização judaico-cristã é a de que a dor nos esculpe a vida. Nascemos no pecado, a culpa é secundária e o principal impulso é a busca, de explorar o mundo. Depois é que vem o medo. A culpa é emoção inibitória, tal como o medo, a culpa e a vergonha. Todas são más. O medo é necessário, mas é preciso ultrapassar o medo. Todos nós perante uma emoção nova temos uma reação, por um lado medo, isto é algo que eu desconheço, pode ser perigoso. Por outro lado, isto é novo pode trazer coisas bestiais. Se somos mais saudáveis, predomina o entusiasmo, vamos à conquista. Se somos mais doentes predomina o medo, retraímo-nos. Varia de pessoa para pessoa e consoante o contexto da vida. Se a criança tem pais compreensivos diminui o medo e pode lançar-se na aventura.
Se não correr riscos não aprende a viver.
Na infância constroem-se as bases, não quer dizer que não sejam modificadas.
Na adolescência, há uma certa reconstrução e muitas coisas são melhoradas ou pioradas. É um período que é menos conhecido. As pessoas se não viveram a adolescência ficam geralmente muito inibidas, não têm estratégias de se defender do perigo, de conquistar o mundo, de se relacionarem com familiares e estranhos, com homens e com mulheres, com negros e com brancos, com nacionais e estrangeiros.
Desde o fim da II Guerra Mundial, as sociedades deixaram de ser sociedades de culpa e passaram a ser sociedades de sucesso, da performance, do desempenho. E os pais estão muito preocupados com isso, hoje é necessário para ser bom cidadão ter um bom emprego. Ainda sou do tempo em que as depressões eram marcadas pela culpa, hoje é pelo insucesso, por não terem notas para ir para a faculdade.
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Na sociedade urbana, o convívio é menor, desapareceu o convívio de bairro. Há um maior isolamento em relações mais próximas. Este individualismo leva a uma certa solidão, a um certa desconfiança, leva a paranoia, a pessoa pode ser prejudicada pelo outro. As relações afetivas são menos consistentes. São mais superficiais, menos espessas, mais finas, mais delgadas. Partem facilmente.
Dá-se valor demais a alguns saberes bacocos. Há uma exigência em determinadas coisas, se já se esteve em Nova Iorque, se já se visitou os museus todos. É uma cultura de espetáculo em que se acaba por não experienciar a vida.
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Balanço da condição humana:
A parte boa: a capacidade de amar, de criar.
A parte má: o egoísmo, a vaidade, a sacanice.
Podemos ter tudo numa só pessoa, mas há predomínios.
Há duas coisas importantes, a capacidade de nos interessarmos pelo outro, em que o mais importante são as pessoas de quem gosto.
E depois há o narcisismo, os outros que se lixem.
E todos nós temos um bocado dos dois.
Quando somos mais saudáveis, somos melhores pessoas. Predomina a capacidade de a pessoa se interessar pelo outro, ajudar a sociedade, criar um mundo melhor. Aí também se mete a questão da morte. Quando o indivíduo tem a capacidade de deixar um legado, há uma certa imortalidade simbólica.
Não tenho medo de morrer.
Não penso nisso.
A única coisa que receio é ficar cego ou paralítico.
É pior porque a pessoa está lúcida e fica diminuída.
António Coimbra de Matos
(excertos)
vicariância erótica
Achei interessante e, fui tentar saber mais sobre o que António Coimbra de Matos quer dizer com isto:
"…um outro laço assume as funções de laço amoroso, há uma substituição por outro tipo de laço – é o que designamos por vicariância."
Descrevemos três tipos fundamentais de vicariância:
Vicariância erótica: o laço erótico supre a não organização ou falência do laço amoroso. É típica de algumas personalidades histéricas e personalidades – limite; erotização das relações por incapacidade de amar e /ou ser desejado, já que não é amado. É própria também da personalidade histérica. "Ninguém me ama mas todos me desejam"
Vicariância narcísica: o desejo de amar é substituído pelo desejo de ser admirado. É típica das personalidades narcísicas; ser admirado uma vez que não consegue ser amado; e, complementarmente, brilhar/exibir-se porque não sabe dar e amar.
"Ninguém me ama, mas todos me admiram" - o grito de triunfo narcísico.
Vicariância agressiva: É própria dos psicopatas; ter poder ou dominar porque não se é desejado nem amado. Ser poderoso para iludir a ferida de ser, de facto, um Zé Ninguém. É patognomónica do defeito narcísico-identitário, como do núcleo psicótico-psicopático ou perverso. Abunda nos ditadores de toda a espécie, feitios e graus.
É o "poder da portinhola" - por onde sai a boca do canhão escondido.
“ Não sou amado mas sou temido”
António Coimbra de Matos
in, "Relação de Qualidade: penso em ti"
A capacidade de amar ou fazer amigos está fora do alcance destas personagens, que como compensação recorrem à sedução, domínio, ou outros artifícios, para manter o outro. Podem no entanto, questionar-se porque magoam as pessoas que julgam amar. Só que, na realidade não amam.
Poder-se-á agora compreender porque não se foi amada/o por essa pessoa - porque ela/ele não é capaz de amar ninguém.
Se o orgasmo não está numa relação de prazer mútuo, onde é que ele está? Na sedução, só por si? Na manipulação ou pela humilhação do outro?
É um amor transvestido de amor, inchado de nada, descoberta tardia no desengano e na anarquia dos sentidos, em revolução, pela necessidade de ser-se amada por um outro que o saiba. Porta para a vida, como bênção.
Cristina Simões
Os serial lovers nas palavras de Jacques-Alain Miller, psicanalista:
“Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias”.
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