quinta-feira, 11 de maio de 2017

Alfabeto da Sociedade Desorientada: Para Entender o Nosso Tempo




Professor de sociologia na Universidade La Sapienza, em Roma, o italiano Domenico de Masi, 79 anos, ficou conhecido pelo conceito de “ócio criativo” em que, trabalho, aprendizagem e prazer se combinam para gerar desenvolvimento económico com justiça social.

O que ele chama de “rota da aventura humana pós-industrial”: um caminho que a humanidade tem percorrido sem uma referência sociológica que substitua as ideologias e crenças tradicionais que serviram como reguladoras das relações sociais.

Ele afirma que a sociedade se tornou incapaz de distinguir “o que é belo e o que é feio, o que é verdadeiro e o que é falso, o que é bom e o que é ruim, o que é direita e o que é esquerda e até o que é vivo e o que é morto”.

Domenico de Masi:

"Talvez o mundo em que vivemos hoje não seja o melhor dos mundos possíveis mas, com certeza, é o melhor dos mundos que já existiram. A sociedade atual atingiu uma longevidade acentuada, um número altíssimo de países democráticos, uma ampla globalização e uma tecnologia extremamente útil no que diz respeito às necessidades humanas. Contudo, por uma série de motivos que analisei em meu livro anterior, “O futuro chegou” (Casa da Palavra), falta à sociedade atual modelo sociológico como referência. Por isso, ela é incapaz de distinguir o que é belo e o que é feio, o que é verdadeiro e o que é falso, o que é bom e o que é ruim, o que é direita e o que é esquerda e até o que é vivo e o que é morto. Eu vou dedicar essa parte final da minha vida e dos meus estudos a tentar entender qual é a meta e qual é a rota dessa aventura humana pós-industrial. Daí a necessidade de explorar, com uma série de “acupunturas sociológicas”, alguns aspectos significativos da nossa sociedade. Neste livro exploro vinte e seis."


"A desorientação é o maior mal do nosso tempo porque torna impossível o que é necessário e nos impede de fazer escolhas precisas num mundo que nos obriga a escolher com determinação. Quando nos encontramos na frente de algo que é necessário, mas impossível, estamos na presença do trágico.
Como dizia Séneca:
“Nenhum vento é a favor do marinheiro que não sabe onde querer ir”.

"Durante os duzentos anos da sociedade industrial (1750-1950) cultivamos valores como racionalidade, velocidade, eficácia, padronização, consumismo, machismo.
Com o advento da sociedade pós-industrial vieram à tona valores como a criatividade, a subjetividade, a ética, a estética, a desestruturação do tempo e do espaço, a androginia, a qualidade de vida…
O século XXI será marcado por transformações que nos induzem a sermos otimistas: a engenharia genética, por meio da qual derrotaremos muitas doenças; a inteligência artificial, com a qual substituiremos muito trabalho intelectual; as nanotecnologias, que farão objetos se relacionar entre eles e connosco; as impressoras 3D, com as quais poderemos construir muitos objetos em casa. A inteligência artificial poderá resolver problemas incompreensíveis para o ser humano. E, graças à informática afetiva, os robôs serão dotados de empatia.
Nos próximos anos, o conceito de privacidade tenderá a desaparecer.
Será quase impossível esquecer, perder-se, entediar-se, isolar-se."

"O nosso planeta produz uma riqueza que cresce no total de 3 a 4% ao ano. Ela não vem distribuída igualmente, e sim conflui num decrescente número de patrimónios. Hoje, as oito pessoas mais ricas do mundo, segundo a revista “Forbes”, possuem uma riqueza igual àquela da metade mais pobre da população mundial, algo como 3,6 bilhões de pessoas. Dez anos atrás esses privilegiados eram 385.
Então, ao invés de se distribuir, a riqueza se concentra.
A renda do mundo já passa os 65 trilhões de dólares.
Segundo um relatório da ONU sobre o Desenvolvimento Humano, bastariam 100 bilhões de dólares a cada ano para acabar com a fome no planeta."

"Em 2030, a ação conjunta de máquinas eletromecânicas e digitais reforçadas pela inteligência artificial possibilitará a produção de muito mais bens e mais serviços com muito menos trabalho humano. Nos países desenvolvidos, 20% dos empregados desempenharão tarefas operárias, 30% desempenharão tarefas administrativas e 50% atividades criativas.
Quem desempenha um trabalho criativo, enquanto trabalha a produzir riqueza, aprende a produzir conhecimento e se diverte a produzir o bem-estar.
Em outras palavras, faz aquilo a que eu chamo de ócio criativo."

"Está errado estabelecer uma única idade para todos os tipos de trabalho. Com a única palavra “trabalho” nós nos referimos a atividades profundamente diferentes. Vamos supor que um mineiro trabalhe, um metalúrgico trabalhe, um bancário trabalhe, um cientista trabalhe, um artista trabalhe, um empresário trabalhe, um poeta trabalhe. Efetivamente tratam-se de atividades muito diferentes entre si e diversamente desgastantes. Os trabalhos fisicamente pesados necessitam de repouso frequente e deveriam prever uma aposentadoria muito precoce. Para os trabalhos criativos não existe horário nem aposentadoria.
O grande escritor Conrad dizia:
“Como posso explicar à minha mulher que quando estou a olhar pela janela, estou a trabalhar?”


"A nossa sociedade pós-industrial nasceu no Ocidente, graças ao empurrão dado pela globalização, do progresso tecnológico, das mídias, mas sem ter um pensamento concluído, um paradigma, um modelo teórico no qual construir a sua própria estrutura.
Da sociedade industrial ela herdou três grandes ideologias: a cristã, a liberal e a marxista.
A teoria marxista não evoluiu num “neomarxismo” capaz de elaborar um modelo social alternativo ao neoliberalismo. As massas não encontraram vanguardas de esquerda capazes de oferecer um objetivo, uma organização e alianças confiáveis.
Hoje, colocam-se à disposição de líderes populistas cada vez mais sem escrúpulos.
Assim nasceu a presidência de Donald Trump que, sem ser nem fascista e nem nazista, possui todos os pressupostos antropológicos."

"Na natureza humana lutam dois impulsos profundos: agressividade e solidariedade.
A agressividade produz stress, insatisfação, instinto destrutivo.
A solidariedade permite o crescimento harmonioso, uníssono.
Na Europa, todos os países desencadearam dezenas de guerras sangrentas contra todos os seus países vizinhos.
Criar muros é uma coisa profundamente estúpida pois cada muro, mais cedo ou mais tarde, é destinado a cair."




Domenico de Masi
in, Alfabeto da Sociedade Desorientada: Para Entender o Nosso Tempo




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