Yuri Shevchenko
Cada vez mais nos deparamos com uma ampla gama de promessas sobre caminho ou práticas espirituais que nos permitirão despertar e viver num perpétuo estado de felicidade, liberdade de dor e expansão da consciência.
As opções estão por toda parte e das formas mais diversas: na nossa alimentação, nas leituras, práticas meditativas e contemplativas, orações, yoga e em dezenas de outras práticas, terapias e filosofias.
Eu pessoalmente sou uma apaixonada por este assunto, motivada por desentendimentos familiares, comecei conscientemente minha busca espiritual muito cedo, com 7 anos de idade e nunca mais parei. De lá para cá estudei e pratiquei muita coisa, foram inúmeros retiros, estadias em ecovilas, viagens de estudo para países como Índia, Tailândia, Marrocos e vários outros, as diversas dietas alimentares, práticas físicas e meditativas, os vários cursos que foram do Tarô à física quântica e por ai vai…
Nessa jornada conheci muita gente seguindo diversos caminhos e sempre me questionei sobre o limiar ténue entre a consciencialização e a alienação que tais práticas podiam nos proporcionar.
Há cerca de 4 anos atrás, através de um querido amigo terapeuta e coach integral americano, escutei pela primeira vez sobre o tema Spiritual Baypassing (Desvio Espiritual) e aquela reflexão sobre o tal limiar ténue passou a fazer mais sentido pra mim.
Spiritual Baypassing foi um termo criado pelo psicólogo e professor Budista John Welwood para abordar a utilização de crenças e práticas espirituais como forma de evitar lidar com sentimentos dolorosos, feridas não resolvidas, suprimir ou fugir de questões desconfortáveis da vida.
Funciona como um mecanismo de defesa e fuga que por ser feito de uma forma “bonita” e de aparência “nobre”, é mais difícil de ser percebido, embora seja muito mais comum do que podemos imaginar. A maioria das pessoas que vive tal desvio espiritual, não se dá conta que isto está a acontecer e nem mesmo as pessoas que convivem com elas percebem.
Algumas demonstrações ou sintomas do spiritual bypassing incluem: alienação emocional e repressão, desapego exagerado, enfatizar em demasia o lado positivo, compaixão cega ou excessivamente tolerante, minimização ou negação da própria sombra, ilusão sobre o próprio despertar, visão de que tudo é ilusório incluindo o sofrimento como uma forma de fugir do mesmo, menosprezo ao pessoal ou mundano e desenvolvimento parcial.
No mundo em que nos encontramos rodeados de dor, stress, sofrimento e mesquinharias, é, de certo, tentador encontrar nos caminhos espirituais uma resposta para se ver livre de tudo isso. Mas se isso for utilizado como um escapismo, acabamos por nos colocar numa prisão utópica e alienada e o que era visto como caminho para salvação, tende a se tornar um “vício e perdição”, por outras palavras, uma nova droga.
“Quando estamos a passar por um spiritual bypass,
muitas vezes usamos o objetivo de despertar ou de libertação
para racionalizar o que eu chamo de transcendência prematura:
tentando nos elevar acima do lado cru e sujo da nossa humanidade
antes de a termos enfrentado por completo
e estarmos em paz com ela”.
Welwood
O resultado que obtemos acaba por ser o oposto do que esperávamos, pois o desvio não nos distancia apenas da nossa dor ou questões delicadas da nossa vida mundana, como também da nossa autêntica espiritualidade.
Gosto muito da forma que o psicoterapeuta integral Robert Augustus Masters aborda o resultado do desvio espiritual dizendo que este “nos distancia da nossa autêntica espiritualidade, nos mantendo num limbo metafísico, numa zona exagerada de gentileza, bondade e superficialidade”.
Só podemos estar realmente livres e despertos quando encararmos e abraçarmos os nossos traumas.
A nossa verdadeira liberdade e integração não significa ausência da dor, mas a consciencialização e aceitação da mesma.
Gabi Picciotto
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