sábado, 15 de abril de 2017

Vieste como um Barco Carregado de Vento


Marcel Van Oosten





Vieste como um barco carregado de vento, abrindo 
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa 
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste 
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro 

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste, 
se partiste, 
que dentro de mim se acanham as certezas e 
tu vais sempre ardendo, embora como um lume 
de cera, lento e brando, que já não derrama calor. 

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar 
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes; 
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha: 
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar, 
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam 
no cais como se transportassem no corpo o vaivém 
dos barcos. Dizem-me os seus passos 

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam 
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei 
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde 
para quase tudo. Por isso, vou para casa 

e aguardo os sonhos, pontuais como a noite. 


Maria do Rosário Pedreira





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