domingo, 30 de abril de 2017

Mãe, Eu Quero Ir-me Embora




Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada 
daquilo que disseste quando os meus seios começaram 
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande, 
murcharam tão depressa as rosas que me deram – 
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu 
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer. 

Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão 
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos, 
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais 
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos 
os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia, 
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei 
e o que amei de verdade nunca acordou comigo. 

Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre 
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. 
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez 
não chames pelo meu nome, não me peças que fique – 
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-m 
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue 
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como 
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer. 

Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem 
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta 
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. 
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas 
essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre 
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias 
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão 
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam 
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar. 


Maria do Rosário Pedreira




Sem comentários:

Enviar um comentário