segunda-feira, 3 de abril de 2017

GORJETA AFETIVA


Dmitry Laudin



Uma amiga me escreve chorando as pitangas: mais uma história de amor terminou para ela. Eu, que nem sabia que ela estava namorando, de repente descubro que no final de fevereiro ela conheceu um homem encantador, estava tudo lindo, mas ele puxou o freio de mão e sumiu. Diz ela que havia acreditado em cada “eu te amo” dele, que confiava quando ele dizia “sou seu”. Que tipo de cafajeste desfaz um romance sólido de uma hora para a outra?
Ela seguiu com o desabafo e eu só pensava num aspecto, aquele que dizia que haviam se conhecido no final de fevereiro. Se entendi bem, estamos falando de pouco mais de um mês de relação. Eu te amo. Sou seu. Entregues em 30 dias.

Houve um tempo em que as pessoas temiam se comprometer pela palavra.
“Te amo” não era xaveco, e sim a declaração de um sentimento raro, que não se distribuía feito senha, ao contrário: era um presente ofertado a quem tivesse modificado nosso jeito de estar no mundo, o selo de qualidade de uma relação que não era como as outras.
Não que houvesse garantia de amor eterno, óbvio que não, mas dizia-se essa frase para um homem ou mulher com quem desejávamos passar um Natal, ao menos.

Agora “te amo” virou xaveco, sim. Depois de meia-dúzia de whatsapp: “te amo”. Sem nem mesmo terem se visto antes.
Quem não gosta de escutar?

Amor é nosso sonho de consumo, é o maior afago que podem fazer ao nosso coração combalido por frustrações e abandonos, é a confirmação de que não suamos a camiseta à toa, alguém percebeu nosso esforço em ser desejável, nosso empenho em ser engraçadinho, logo, merecemos essa gorjeta afetiva: “te amo” está valendo uma moeda de 50 centavos, mas ninguém dispensa.

Mesmo barateado, é de se lamentar quando, com a mesma rapidez com que o “te amo” foi dito, ele é retirado de cena e deslocado para outro objeto amoroso, como quem troca de mesa no bar para não ficar tão perto da cozinha. Aquele que se sentia especial descobre-se mais um. Tempos modernos: as pessoas estão amando com a profundidade de um lava-pés.
Esqueça mergulho. Ninguém está com tempo para ir tão fundo.

Minha amiga tem o direito à tristeza, mas erra ao se sentir traída pelas palavras: não se pode cobrar pelo o que foi declarado, muito menos hoje, quando tudo é instantâneo e descartável. 

O Don Juan disse “sou seu” para não cansar minha amiga com explicações, pois fosse menos lacônico, teria dito: “sou seu aqui, em cima do seu corpo, neste momento exato de prazer e gozo, apaixonado por este instante, voraz pela mulher que tenho agora diante do meu rosto, sou seu, meu bem, até que levante e vá ao banheiro escovar os dentes”.
Ele simplesmente sintetizou.
“Te amo” virou mais uma abreviatura.



 Martha Medeiros




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