quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Somos Uma Surpresa Para Nós Próprios




Como serão em privado as pessoas que conhecemos? 
Quanta surpresa se o soubéssemos. 
Porque nós, instintivamente, tendemos a julgá-las idênticas dentro e fora de si.

Mas o que somos por fora é o que aceitamos que o seja e é o que os outros estabeleceram. 
Tal fanfarrão na praça pública pode ser um chilro piegas quando lá não está ou um medricas quando a coisa é a sério (Não dizia Aristóteles que os grandes atletas eram maus soldados?). Ou inversamente. O que aceita para si a imagem exterior de um mole, de um tíbio, de um encolhido de comportamento - no interior de si, e quando for caso disso, pode ser um obstinado de dente rilhado.
Há um estilo de se ser que se adopta por convenção generalizada, orientação de uma época, obrigação protocolar no modo de nos manifestarmos.

(...)

As regras de comportamento em grandezas chegam só à porta da rua ou ao menos da do quarto ou seguramente à da casa de banho. E daí para dentro, vale tudo, ou seja a regra somos nós. E é então que sabemos quem somos ou quem é aquele que consentimos que seja ou em que medida respeitamos em nós o que respeitamos nos outros.

Mas nem é preciso talvez entrarmos na nossa intimidade.
Quanta farófia se não desfaz em caca quando entra a polícia?
Como se aguentaria ela, frente a um pelotão de fuzilamento?

Mas o mesmo tipo revelado em fraqueza e enrolado de timidez poderia revelar-se em coragem quando a coisa fosse a doer. Tudo é tão casual. Somos tanto a invenção de nós em cada momento. Tudo é tão em nós uma fortuita conjugação de astros. Somos tão surpresa para nós próprios. Para a coragem ou o amor ou a verdade ou mesmo a inteligência. Ou o simples estar vivo.



Vergílio Ferreira 
in, Pensar


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