sexta-feira, 12 de junho de 2015

The Reader - O Leitor



“I’m not frightened.
I’m not frightened of anything.
The more I suffer, the more I love.
Danger will only increase my love.
It will sharpen it, it will give it spice.
I will be the only angel you need.
You will leave life even more beautiful than you entered it.
Heaven will take you back and look at you and say:
Only one thing can make a soul complete, and that thing is love.”

The Reader


O Leitor (no original em inglês: The Reader) é um filme americano de 2008, drama dirigido por Stephen Daldry e baseado no romance Der Vorleser (vorleser, acto que, em alemão, reserva-se apenas a quem lê em voz alta para o outro), de 1995, do escritor alemão Bernhard Schlink.
Tem como elenco Kate Winslet e Ralph Fiennes, David Kross, entre outros.
Ralph Fiennes, com um olhar distante, triste, melancólico mesmo, reflecte sobre a sua vida. (Poucos actores conseguem ser tão convincentemente melancólicos como Ralph Fiennes: Vejam "Fim de Caso", "O Paciente Inglês", "Fiel Jardineiro"...).
O filme foi a última produção de Anthony Minghella e Sydney Pollack.
Ambos faleceram antes da estreia, Pollack vítima de cancro e Minghella com hemorragia cerebral após ter sido operado ao pescoço.

Michael (David Kross faz o Michael com 15 anos, Ralph Fiennes desempenha o Michael com 45 anos) em 1958, com 15 anos(o que significa que nasceu durante a guerra, em 1943), passa mal durante o trajecto do U-Bahn( Metro de Berlim) e acaba por vomitar à porta de um prédio. Hanna Schmitz (Kate Winslet, no papel que lhe valeu o primeiro Oscar em seis indicações. Desempenha Hanna que nasceu em 1922 – o que significa que, em 1958, tinha 36 anos – mais do dobro da idade de Michael) cobradora de autocarros e que vive nesse prédio ajuda-o, e Michael é diagnosticado com escarlatina. O médico de família ordena que o jovem fique de cama pelos três meses seguintes. Após a recuperação, ele sente vontade de visitar a desconhecida que o ajudou. Os dois acabam por se envolver e passam a ter um caso.

Durante os encontros no apartamento de Hanna, o jovem passa a ler para ela obras literárias que estuda no colégio, como a Odisseia, de Homero; A Dama do Cachorrinho, de Anton Checkhov; e Huckleberry Finn, de Mark Twain. Os encontros passam, então, a ter sempre uma sessão de leitura seguida de uma relação sexual.
Um dia, tudo leva a crer que Hanna é promovida, passará a trabalhar no escritório da empresa, e subitamente desaparece sem deixar rasto.

Já adulto, Michael seguiu a carreira de advogado, já no ano de 1966 com 23 anos, com Michael a tirar o curso de Direito na Universidade de Heidelberg. Como parte de um seminário sob orientação do Professor Rohl (Bruno Ganz), um judeu sobrevivente de um campo de concentração, Michael passa a assistir a um julgamento   de seis mulheres que trabalharam no Serviço Secreto nazista durante a Segunda Guerra, como guardas de campos de concentração – e são acusadas da morte de centenas de mulheres judias.
Uma acusação é a de que regularmente cada guarda tinha de seleccionar dez mulheres para morrer.
Mas a principal acusação é que essas guardas deixaram, uma vez, 300 prisioneiras morrer numa capela em chamas, sem abrir a porta para que escapassem, no ano de 1944, num evento conhecido como "Marcha da Morte", ocorrido após a evacuação do campo de Auschwitz. Uma das rés é Hanna Schmitz, agora com 44 anos.
Cinco das acusadas estão unidas, negando a acusação, e afirmam que a responsável é Hanna.

A evidência chave do julgamento é o depoimento da sobrevivente judia Ilana Mather (Alexandra Maria Lara), que escreveu um livro a contar como ela e a sua mãe conseguiram sobreviver à marcha da morte.
Hanna, ao contrário das outras rés, admite que Auschwitz era um campo de extermínio e que as dez mulheres que eram "seleccionadas" em cada mês eram enviadas para a câmara de gás.
Ela não nega que indicava, regularmente, dez prisioneiras para morrer...
"Por que fazia isso?"
Hanna responde: "O campo de concentração tinha lotação limitada e novas prisioneiras chegavam constantemente... A solução encontrada era enviar um certo número de prisioneiras mais antigas para a morte para que houvesse lugar para as novas…
“Foi o emprego disponível no momento”, defende-se ela.
Se ela fechou as vias de fuga para as vítimas, se não as salvou da fogueira, é porque “não havia lugar para tanta gente”, ou seja, era uma simples questão de espaço!
Hanna espanta-se, na mais ingénua sinceridade, com o interrogatório, como se o seu interlocutor ignorasse o óbvio, e como se ela quisesse exclamar:
“Haveria, naquelas circunstâncias, outro modo de proceder?!”, para logo deixar o promotor, o juiz, e nós, espectadores, impactados, sem resposta, ao perguntar:
“E o senhor, o que faria se estivesse no meu lugar?”.
Quanto à capela, Hanna, interrogada pelo juiz sobre por que não abriu a porta da capela quando o incêndio começou, respondeu com lógica impecável:
“Como eu poderia soltá-las, se o meu emprego era mantê-las presas???”
Apenas uma mulher se salvou (não se explica como) – e a filha dessa mulher (de nome, no filme, Ilana Mather, que depois escreveu um livro sobre o episódio. Mãe e filha depõem no julgamento.

O que faríamos se estivéssemos no lugar dela?
Ela nega ter sido a autora de um relatório redigido após o incêndio da igreja, apesar da pressão das outras rés. Um depoimento agrava a sua situação no julgamento: Hanna protegia algumas prisioneiras, as mais fracas e doentes, em troca de um favor: que elas lessem para ela...Testemunho que incentiva as outras rés a pôr toda a culpa nela, de ter liderado as guardas e de ter redigido o relatório sobre o episódio em que elas fecharam as vias de fuga da igreja incendiada para queimar as presas em vida. Inicialmente Hanna desmente, mas, quando o oficial pede para ela escrever algo com o intuito de comparar a sua letra com as do relatório, ela recusa-se a fazê-lo, admitindo a culpa.
Não saber ler e escrever era para ela insuportável, vergonhoso, fazendo-a assumir uma pena maior da que realmente merecia.
Por isso, ela leva a pena maior, a prisão perpétua.
As outras rés levaram penas menores.

Michael, nesse momento apercebe-se do grande segredo de Hanna: ela era analfabeta, e ocultou o facto por toda a vida. Passou a fazer parte da SS após ter sido promovida num emprego anterior, o que iria obrigá-la a revelar o seu segredo. Michael revela ao seu professor que possui uma informação relevante, favorável a uma das rés, mas não sabe se faz a revelação, já que a própria acusada tinha optado por escondê-la. O professor diz-lhe que, se não tinha aprendido nada com o passado, então não havia necessidade de participar naquele seminário. Ele omite-se, pressionado pelo clima colectivo do julgamento dos crimes de guerra que transformava alguns colaboradores do nazismo em verdadeiros monstros.
Faz-se, portanto, uma discussão sobre o delicado limiar entre as responsabilidades individuais e as colectivas. Na discussão entre o professor Rohl e os estudantes de direito, um dos jovens colegas de Michael, questiona a omissão do cidadão comum na Alemanha, diante do holocausto. Michael carrega pelos anos seguintes a culpa da omissão, o que pode ser simbólico em relação à culpa que o povo alemão sente ainda como a herança de sua história.

Hanna é condenada a prisão perpétua pelos seus crimes de guerra, enquanto as outras rés recebem penas menores. Nos anos posteriores, Michael casa-se, tem uma filha e divorcia-se.
Ao rever os seus livros e notas de aulas dos tempos do seu caso com Hanna, resolve gravar os textos em cassete com as histórias que Hanna mais gostava, narradas por ele, e envia as gravações, junto com um gravador, para Hanna. Ela retira os livros na biblioteca e, por associação, aprende a ler a partir da narração. Com o tempo, ela aprende a ler e a escrever, e passa a enviar cartas para o rapaz.

Michael nunca responde às cartas, mas continua a enviar gravações.
Em 1988, uma funcionária da penitenciária (Linda Basset) telefona para Michael, agora com 45 anos e pede a sua ajuda: Hanna após 22 anos de prisão iria ser libertada, mas a sua transição para uma vida em sociedade poderia ser problemática. Michael consegue uma casa e um emprego para ela, e finalmente visita-a para lhe dizer. Ela tenta tocar-lhe na mão, mas ele recua.
No dia em que seria libertada, Michael vai buscá-la à prisão e fica a saber que na noite anterior ao dia de ser libertada, ela se tinha suicidado. Aparentemente usou uma pilha de livros em cima da mesa para conseguir enforcar-se. Não tinha arrumado as suas coisas para sair da cela, facto que indicava que não pretendia sair de lá viva…
Hanna suicida-se com 66 anos.
Numa carta testamento, Hanna deixa para Ilana Mather, a filha da sobrevivente do incêndio na capela, uma latinha de chá com o dinheiro vivo que possuía, mais uma soma de cerca de sete mil marcos que tinha no banco, com instruções para que Michael entregasse o dinheiro à destinatária. Ele, durante uma viagem a New York, tenta entregar o dinheiro, mas Ilana recusa-se a recebê-lo, ficando apenas com a latinha, que parecia uma que ela tinha tido durante o tempo em que ficara no campo de concentração, mas perdera. Ele pede sugestões sobre organizações filantrópicas judias às quais ele pudesse doar o dinheiro. Ela diz que organizações judias não precisariam desse dinheiro. Por fim ele sugere que o dinheiro seja doado a instituições voltadas para a alfabetização de adultos, e ela não vê por que não, mas deixa que ele decida e escolha…

O filme termina com Michael, já por volta de 1995, a levar a sua filha, da qual se tinha afastado depois do divórcio, para conhecer o túmulo de Hanna – local em que ele começa a contar-lhe a sua história.



Depois de ver o filme, fiquei vários dias a pensar nele...
E por isso faço aqui uma descrição pormenorizada do filme.
É um filme que fala de dilemas morais, que nos faz pensar no que faríamos se fossemos nós, das consequências de erros morais que cometemos, que muitas vezes no momento parecem ser o exercício do dever; e é sobre o sentimento de culpa, de revolta, de necessidade de fazer justiça que esses erros suscitam nos indivíduos( quer sejam as vítimas ou os carrascos).

Outra coisa que me fez pensar bastante foi:
Tenho eu o direito ou o dever de revelar algo sobre uma outra pessoa, que pode reduzir a sua pena ou até mesmo salvar a sua vida, quando essa pessoa se recusa a fazê-lo ela mesma, por considerar o objecto da revelação vergonhoso?

Outra coisa que me tocou foi:
Numa aula, o professor de Direito de Michael, um sobrevivente do Holocausto, afirma que “as sociedades gostam de imaginar que operam com base em princípios morais, mas isso não é verdade: elas operam com base na lei”… 
Agora, se a lei prescreve comportamentos que são considerados imorais, o que faz a pessoas simples, que querem apenas desempenhar bem o seu trabalho, que não é intelectual?
Hanna Schmitz, mesmo no seu julgamento, em 1966, ainda está perfeitamente convencida de que o seu trabalho era guardar as prisioneiras, evitar que fugissem... – como poderia ela abrir a porta da capela para deixá-las escapar do fogo e da custódia em que se encontravam??? Ela participou dos crimes nazistas porque “era o trabalho dela”, e ela acreditava ser o seu dever fazer o seu trabalho bem feito, porque os seus chefes estavam no poder legalmente, tinham a autoridade de lhe dizer o que deveria fazer e tinham o direito de esperar que ela fizesse o que lhe era ordenado…
A moralidade, prende-se em quê?
Se vamos julgar a lei por critérios morais, que moralidade vamos usar?
A católica, a protestante, qual?
Por outro lado, parece que, ao separarmos a lei da moralidade, e afirmarmos que, no mundo sócio-político, vale a lei, não a moralidade, nos curvamos ao cinismo daqueles que afirmam, ao serem apanhados em falcatruas de todo tipo, que o seu comportamento ficou dentro dos limites da lei.
E não é só de falcatruas financeiras que se trata: afinal de contas, Hanna Schmitz agiu dentro dos termos da lei – e, por causa disso, trezentas mulheres inocentes morreram.

Hanna, apesar de ser descrita por suas vítimas, ou por aqueles que as representam, como um monstro, não é uma pessoa má... Ela é uma pessoa simples, analfabeta, fácil de controlar e manipular pelas ideologias políticas, que acha que tem de cumprir com o seu dever e fazer, da melhor forma possível, o que os seus chefes lhe ordenam e esperam dela...
Quanta gente não pensa da mesma forma, e só não comete crimes, pequenos ou horrendos, porque os seus chefes nunca lhes pediram que fizessem algo moralmente errado?

O que fazer daqueles que, dentro de igrejas e partidos políticos, aceitam uma ética de segunda mão, sobre a qual nunca reflectem? 
Os católicos que se opõem ao aborto, ou ao controle da natalidade, ou ao divórcio, porque é isso que a Igreja Católica Romana ensina que é certo, e eles não têm ou a vontade ou a capacidade de esmiuçar essas questões morais complicadas, essas pessoas não estão, porventura, sem perceber, a correr o risco de agir erradamente, ou até mesmo de cometer crimes contra determinadas pessoas, porque agem segundo uma moralidade recebida por autoridade, sobre a qual não reflectem, ou porque não querem, ou porque não podem, ou porque não querem por em causa as suas crenças, ou porque não acham que é preciso?

A questão do analfabetismo de uma pessoa adulta, numa sociedade desenvolvida como a Alemanha da época da Segunda Guerra, foi uma das coisas que me fez pensar:
Foi uma das formas dos nazis controlarem a mente do povo, e de a manipularem convencendo os alemães de que o que faziam era o certo, levando-os a fazerem o que eles queriam.
A dicotomia alienação política e consciência política; governos totalitários que seduziram a juventude ou contaram com o silêncio e a ignorância da maior parte da população; analfabetismo e manipulação ideológica.
É interessante a forma como a Hanna é descrita ao longo do filme, um suposto monstro, que sem deixar de ser monstro, tem cara humana, sofre, gosta de ouvir a melhor literatura, ri, faz amor, traz prazer e confiança para um miúdo de 15 anos.

Finalmente, fez-me pensar a última conversa deles, em que Michael pergunta a Hanna se ela tinha pensado muito sobre o passado, e ela lhe pergunta: sobre o nosso passado? Ele diz que não: sobre o passado em geral. Ela responde-lhe: 
"Não importa o que eu penso. Não importa o que eu sinto. Os mortos continuam mortos”.
Isso é verdade: os mortos continuam mortos.
Mas o resto não é verdade: o que pensamos e o que sentimos importa.
E é a ver filmes como este, a ler livros sobre a nossa História como o livro "Se isto é um homem" de Primo Levi, que somos forçados a pensar e a sentir.
E se pensarmos e sentirmos, provavelmente corremos menos riscos de cometer erros morais e mesmo crimes, por estarmos a viver e a agir em piloto automático.



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