sábado, 20 de junho de 2015

Não tenho jeito para viver



Uma das boas coisas que fiz estes dias foi reler algumas das entrevistas do Lobo Antunes.
Conheço poucas pessoas, cujas entrevistas sejam pautadas por frases tão balísticas.
Sem qualquer pretensão de citação, ficam-me na memória como os melhores paladares da vida.
Na última entrevista de Lobo Antunes à Visão, o título escolhido foi uma dessas frases, que pronunciada à laia de conversa, é suficientemente paralisante para levar o jornalista a afiar o lápis na sua própria mandíbula.

"Não tenho jeito para viver." 
António Lobo Antunes

E quando se diz uma frase destas, para lá de toda a psicologia subjacente...a verdade é que não se devia ser obrigado a dizer mais coisa nenhuma.

Não sei se é só a mim que me comove, mas sou capaz de passar horas a lamber uma frase.
Imagino que há frases que só podem ser pronunciadas com significância, por dois tipos de pessoas, as muitos simples, e as altamente complexas.

Não acredito na classe média de algumas frases.
Acredito sim, que podia ir ao café na aldeia de Lameiros em São Luís, e ouvir o Ti Manel a dizer, enquanto puxa a cadeira: - Não tenho jeito para viver.

E depois imagino, uma alma forjada em vida, uma mente irrequieta, uma inteligência dilacerante, numa voz seca e enfastiada pronunciando: - Não tenho jeito para viver!

Perdoem-me os medianos que não se acusam, mas sonho viver para pronunciar frases assim.
Não no contexto de uma entrevistaDe vez em quando acerca-se de mim uma noção muito clara: eu não fui feito para viver. Sempre houve alguma coisa que me faltou. Sempre presente, desde que me lembro, esta incapacidade de ser confortavelmente social, de me adaptar com naturalidade às coisas. Uma estranheza particular. Uma solidão particular. Por vezes o desajuste é tão profundo que tenho vontade de deixar a vida pousada sobre a cómoda do quarto e sair de mansinho, sem ninguém dar por mim., mas no mais banal contexto da vida.
E hei-de fazê-lo, sem qualquer necessidade de imortalizar a frase, lápis ou caderno.
Vou dizê-las com a mesma displicente autoridade, do António Lobo Antunes e do Ti Manel.

Terei nesse instante pronunciado, a mais suculenta certeza, que consegui resgatar à vida, tudo o que lhe é Essência.


Isabel Saldanha



"De vez em quando acerca-se de mim uma noção muito clara: 
eu não fui feito para viver. 
Sempre houve alguma coisa que me faltou. 
Sempre presente, desde que me lembro, 
esta incapacidade de ser confortavelmente social, 
de me adaptar com naturalidade às coisas. 
Uma estranheza particular. 
Uma solidão particular. 
Por vezes o desajuste é tão profundo 
que tenho vontade de deixar a vida pousada sobre a cómoda do quarto 
e sair de mansinho, 
sem ninguém dar por mim."

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