sábado, 25 de julho de 2020

Nomes apagados







O meu pai foi a pouco e pouco esquecendo a língua.
E começou pelos nomes. O que primeiro esqueceu
não foram os advérbios,
nem os pronomes ou os adjectivos,
como podíamos pensar,
nem os grãos de pó das preposições,
mas os substantivos.

A maçã deixou de ser maçã,
o copo passou a ser isso
e as pessoas que se aproximavam
deixavam de ter nome.

A morte começou seu labor minucioso
por roubar-lhe os nomes,
apagá-los, pondo
no lugar deles um isto ou aquilo,
um dá-me, um balbuceio, um aceno da mão.

O que se perde por último são os verbos
os verbos que se movem como peixes
no sangue até que o mundo se acaba,
até que o corpo já não pode com a alma.

Os adjectivos são afectuosos,
vestem de amor aquilo que visam
e por isso pervivem.

Mas os nomes esfumam-se.
E a substância dos substantivos
não passa de água, de névoa, de onda de fumo.

A maçã deixa de ser maçã.
A palavra dor,
quem nos havia de dizer,
não significa nada.


Juan Vicente Piqueras





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