terça-feira, 21 de julho de 2020

Instruções para atravessar o deserto







Para atravessar este deserto interior
é preciso coragem, tempo, vontade
de não passar a vida a preparar
uma viagem que jamais faremos,
um camelo que seja leal, um companheiro
idem, um mapa vão,
um turbante, uma bússola,
dez caixas de bombons (recordação do Ocidente)
e uma jilaba azul... o que mais? Um livro
para fazer as vezes do Corão, da Bíblia,
da Tora e do Tao,
com as folhas em branco ou escrito
numa língua que não se entenda.
É preciso ter uma certa confiança na sede,
um olhar claro e um caderno
de notas que os dias
são compridos, lentos, e as noites tristes,
e não há tenda nem tribo
nem deus que assista em tal solidão.
Para atravessar este íntimo deserto
é preciso querer, ter que, resolver
pôr-se a andar e não olhar para trás,
não recuar, não ter outro remédio.



Juan Vicente Piqueras






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