quarta-feira, 14 de outubro de 2020

ADVERBIOS DE LUGAR







Aqui é onde eu estou. Esteja onde estiver 
estou sempre aqui onde me vês. 
Esta casa, estas caras, estas coisas 
cansam, porque estar aqui cansa. 
Aqui tem-se sede de partir, sede de ali. 
Mas ali é o lugar onde jamais poderei estar, 
onde sou impossível. Vá onde vá, 
lá onde eu chegar será aqui 
e estarei esperando-me a mim mesmo 
com o mesmo ramo de rosas na mão. 
Aí é o teu aqui. 
Aí parece um grito porque é onde te dói. 
Eu quero estar aí, onde tu estás, 
tu aqui ou, melhor, os dois ali, remotos, juntos 
porque o vivo é o junto. 
Aí há o amor que não há aqui. 
Essas coisas que as tuas mãos afagam, 
isso que pensas, dizes, calas, sonhas, 
esses lugares onde estás sem mim, 
é isso que desejo e necessito. 
E ser o teu aí, a tua respiração intermitente.
Ali é a salvação, a miragem 
nascida da sede de estar aqui. 
Ali sim seríamos felizes, 
onde o teu aqui e o meu aí estariam juntos,
comeriam perdizes que não existem. 
Ali é aquela chuva
que cai sobre este campo sedento. 
Ali é Jauja, o Eldorado. Não há palavras 
que possam dar ideia desse sítio.
As palavras são estas, nunca aquelas. 

Eu estou aqui e tu aí e lá os dois, quando?
Isto é pedra. Isso é seda. Aquilo é mar. 
Aqui, lar impossível, íntima ausência, 
odiado domicílio, cárcere de cada dia. 
Aí, calor do tu, a tua vida minha, 
tesouro da tua ilha, ar de amor. 
Ali, onde não estamos, chove sobre a vida 
que nunca será nossa e nos aguarda.


Juan Vicente Piqueras






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