segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A Vida é um Desafio


Q’eswachaka





- A Vida é um desafio, e só arriscando é que nos podemos pôr à prova - disse-lhe Condori.
A Vida é frágil; podemos morrer a qualquer momento, procura viver sempre no presente.
Se hesitares, escorregas e cais.
Para vencer ou para perder, tens de arriscar. Mas, com convicção de que vais conseguir. Tens de saber o que queres, seres segura de ti própria, e arriscares.
(...)
Condori, para além dos seus dotes físicos, tinha uma profunda sabedoria e uma grande capacidade para penetrar na natureza humana(...)
Condori era um Amaru Runa, um Curandeiro da Serpente, capaz de curar servindo-se unicamente das próprias mãos. Era um homem sempre disponível, de um amor e de uma generosidade tão grandes que o levavam a partilhar com o próximo tudo o que possuía. Por vezes, tornava-se sério, duro, inflexível, mas geralmente gostava de brincar, era terno e compreensivo. Tinha atitudes, maneiras de ser, brincadeiras, palavras e sorrisos ingénuos, semelhantes aos de uma criança; porém, quando se encontrava perante situações graves, transformava-se num verdadeiro homem. 
A sua atitude de homem maduro despertava em Kantu um profundo afecto e o desejo de sentir-se sua, enquanto aquele seu modo de ser infantil estimulava nela o desejo materno de lhe acariciar a cabeça, de o embalar nos braços, de o proteger.
(...)
Estavam quase a chegar a casa da Mama Maru, a Curandeira Serpente, e Condori disse-lhe:
- As palavras são como o vento, voam; só as obras ficam. Na tua vida, não conta aquilo que dizes, mas só aquilo que fazes. Agora, tens de dar um passo em frente, tens de demonstrar a tua coragem, expulsar o medo que trazes dentro de ti com factos e não apenas com palavras. Chegou o momento da acção; e é isto que vais aprender com Mama Maru. 
(...)
Kantu sabia porque se encontrava ali, na casa de Mama Maru, sozinha com a Curandeira Serpente.
Iria ser uma dura prova para ela.
Mama Maru era uma mulher inflexível e severa.
Com Condori fizera uma aprendizagem dura e cansativa, onde aprendeu coisas novas, submeteu-se a duras provas, reforçou a vontade e, sobretudo, aprendeu a ousar.
Agora, estava sozinha com a Mama Maru para testar a sua coragem e perder o medo.

Mama Maru explicou-lhe:
- A Vida está cheia de desafios e de provas que somente os audazes, os corajosos e os sábios são capazes de superar. Os cobardes, os indecisos e os ignorantes são derrotados ao longo do caminho da vida. 
Nós, Mulheres, temos duas opções:
Ou enfrentamos a morte e vivemos, ou então vivemos a fugir da morte e, deste modo, caminhamos para a destruição.
Tu acabaste de arriscar a tua vida: de início hesitaste, mas por fim decidiste-te e agarraste com rapidez o pescoço daquela serpente, a Jérgon de la Costa. 
No decurso da nossa vida, acontece que temos muitas vezes de tomar decisões com as quais pomos em jogo a nossa existência: ou se ganha ou se perde.



in, A Profecia da Curandeira
Hernán Huarache Mamani









NOTA:
Q’eswachaka, A Última Ponte Inca
A mais de 3.700 metros de altitude, a cerca de 110 quilómetros a sudeste de Cuzco, no distrito de Quehue, província de Canas, esta ponte é reconstruida uma vez por ano.
Feita de feixes de q’oya, uma fibra vegetal obtida a partir de uma planta autóctone com a qual as mulheres tecem grandes cordas que os homens fixam, logo de seguida, a cada ponto desta margem da garganta. Pouco mais de uma dezena de metros acima das águas límpidas do rio Apurímac, demoram várias horas a esticar seis cordas grossas entre as duas margens do desfiladeiro – quatro das quais, as matrizes, funcionarão como suporte, servindo as restantes duas de corrimão. Por fim, ao fixá-las a bases rectangulares de pedra (os estribos da ponte), os hábeis construtores compõem, para mais um ano, o esqueleto da Q’eswachaka (“ponte de corda” em quechua), a última ponte inca do mundo.




Tem 28 metros de comprimento e 1,20 de largura, persiste apesar da modernidade e, em 2013, foi incluída na Lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO.
Como as mulheres se mantêm afastadas dos trabalhos de renovação, pois crê-se que atrairiam a q’encha (ou “má sorte”), cabe aos homens, de pernas abertas apoiadas sobre as cordas grossas da base, começarem a entrançar as faces laterais e o piso da ponte. 

Esta e outras pontes formavam os segmentos suspensos da antiga rede viária inca. 
Conhecida pelo nome de Qhapaq Ñan, que em quechua significa “Caminho Real”, esta rede estendia-se em comprimento e largura pelos mais de dois milhões de quilómetros quadrados que albergavam o Tawantinsuyu (o império inca), um território que se distribui actualmente por seis países da América do Sul: Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Chile e Argentina.





Segundo as comunidades camponesas de Huinchiri, Chaupibanda, Choccayhua e Ccollana Quehue, esta tradição subsistiu por mais de cinco séculos graças à intervenção da divindade:
“Se não construirmos uma ponte nova cada ano, arriscamo-nos a incorrer na ira da Pachamama [a “Mãe Terra” ] e dos apus [forças tutelares da natureza]”, diz, estremecendo, María Quispe, uma senhora de 60 anos que participa desde criança nesta tarefa.
“Mesmo que não utilizemos a ponte, expomo-nos a catástrofes naturais que podem arruinar as nossas colheitas de batata, fava, trigo ou cevada, e inclusivamente a infelicidades como a doença ou a morte”
 “Desde a época pré-colombiana que qualquer actividade importante de construção, tanto de casas como de pontes, se realiza apenas depois do pagamento à terra ou aos apus. Estas últimas divindades estão encarnadas em todos os acidentes geográficos da região, como as lagoas, rios ou montanhas", explica o antropólogo da Universidade Católica de Lima, Pablo del Valle. “Trata-se de um apelo às forças da natureza, durante o qual as populações imploram pela sua acalmia para evitar danos, como uma cheia e a posterior inundação dos campos. Até as pontes do século XX só foram construídas depois do pagamento aos deuses!”

À semelhança dos seus antepassados, quase um milhar de quechuas, dispersos pelas encostas das montanhas, ainda se ocupam da conservação da Q’eswachaka.








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