segunda-feira, 15 de julho de 2019

Um homem sentado no seu tempo





Está um homem sentado no seu tempo
cismando na mudança e em tantos
outros lógicos inexoráveis topos.
A pele o reveste com estrema cordura
como se manto, resguardando os vincos
de quebranto esparsos pelo corpo dentro.
Tem a mão combatente espalmada
sobre o rosto recoberto de incertezas -
ou é uma pragmática, anfíbia barbatana
tacteando o interior, seu elemento?

Eis uma máquina de produzir sistemas, 
que belo organismo em movimento.
Um engenho que, incessantemente, 
como um fio de baba vai debitando angústia. 
Ah, mas já a porção se completou, 
já ele toma a tesoura dos seus dedos 
e recolhe uma ideia arredondada 
e a acondiciona entre outras mil, 
todas densas, agudas, de morrer. 
O corpo do homem - exígua embalagem. 

Mas a máquina não pára, o fio finamente 
tecido das mais ínvias confissões 
já forma outra ideia, de configuração 
idêntica às restantes, e tão diversa, 
tão matematicamente original. 
Está um homem sentado no seu tempo, 
recebe do século as mais embravecidas 
aflições - e prossegue segregando, 
tão perfeita engrenagem de sofrer, 
sua atlética fronte tão suada. 


A. M. Pires Cabral




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