sexta-feira, 12 de julho de 2019

Meu Amigo





Meu Amigo, não sou o que pareço. 
O que pareço é apenas uma vestimenta cuidadosamente tecida, 
que me protege de tuas perguntas 
e te protege da minha negligência.

            Meu Amigo, o Eu em mim mora na casa do silêncio, 
e lá dentro permanecerá para sempre, 
despercebido, inalcançável.

            Não queria que acreditasses no que digo 
nem confiasses no que faço – pois minhas palavras 
são teus próprios pensamentos em articulação e meus feitos, 
tuas próprias esperanças em ação.

            Quando dizes: “O vento sopra do leste”, 
eu digo: “Sim, sopra mesmo do leste”, 
pois não queria que soubesses 
que minha mente não mora no vento, mas no mar.

            Não podes compreender meus pensamentos, 
filhos do mar, nem eu gostaria que compreendesses. 
Gostaria de estar sozinho no mar.

            Quando é dia contigo, meu Amigo, é noite comigo. 
Contudo, mesmo assim falo do meio-dia 
que dança sobre os montes e da sombra de púrpura 
que se insinua através do vale: porque não podes ouvir 
as canções de minhas trevas 
nem ver minhas asas batendo 
contra as estrelas – e eu prefiro que não ouças nem vejas. 
Gostaria de ficar a sós com a noite.

            Quando ascendes a teu Céu, 
eu desço ao meu Inferno – mesmo então 
chamas-me através do abismo intransponível, 
“Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada”, 
e eu te respondo: 
“Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada” – porque 
não gostaria que visses meu Inferno. 
A chama queimaria teus olhos, 
e a fumaça encheria tuas narinas. 
E amo demais meu Inferno para querer que o visites. 
Prefiro ficar sozinho no Inferno.

            Amas a Verdade, e a Beleza, e a Retidão. 
E eu, por tua causa, 
digo que é bom e decente amar essas coisas. 
Mas, no meu coração rio-me de teu amor. 
Mas não gostaria que visses meu riso. 
Gostaria de rir sozinho.

            Meu Amigo, tu és bom e cauteloso e sábio. 
Tu és perfeito – e eu também, falo contigo sábia e cautelosamente. 
E, entretanto, sou louco. 
Porém mascaro minha loucura. 
Prefiro ser louco sozinho:

            Meu Amigo, tu não és meu Amigo, 
mas como te farei compreender? 
Meu caminho não é o teu caminho. 
Contudo juntos marchamos, 
de mãos dadas.



Khalil Gibran
in, O Louco



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