segunda-feira, 1 de julho de 2019

DESDE O CHÃO





A pele porosa do silêncio 
agora que a noite sangra nos pulsos 
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro 
violento da beladona cega a terra. 
Cega também, a boca procura 
trabalhos de amor. Encontra apenas 
o nó de sombra das palavras.

Palavras…Onde um só grito 
bastaria, há a gordura 
das palavras. Palavras…, 
quando apetecem claridades súbitas, 
o sumo estreme, a ponta extrema 
do teu corpo, arco, flecha, 
corola de água aberta 
ao fogo a prumo do meu corpo.

Do chão ao cume das colinas, 
eis as areias. Cala-te. 
Deita-te. Debaixo dos meus flancos. 
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.


Eugénio de Andrade
in, Obscuro Domínio






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