1.
A nossa terra veio a ser um rito, um signo de descoberta
na qual o homem se encontrou.
A reconciliação com a terra pode talvez ser substituída pela necessidade,
pela inexorabilidade de existir que a terra impõe,
toda a terra, inclusivamente esta que com o coração escolheste
entre todas as outras.
Quando nela ganhas raízes para a vida e para a morte,
ela vai-te quebrantando até reduzir-te a pó.
Vês com dificuldade e com dificuldade te tornas visível
através da necessidade terrestre.
Supõe um esforço incessante subtrair os homens
à inexorabilidade imposta pela terra - e este
esforço tem um nome: «história.»
A história não é ressurreição, mas uma constante
conformidade com a morte, que apenas faz transparecer
a sucessão das agonias humanas.
Ela não alcança o rito em que se converteu a terra,
a nossa terra.
Daí nasce o amor à terra.
O amor não flui a par da morte: ultrapassa-a.
Pelo amor que ultrapassa a morte, a terra veio a ser um rito.
Pelo amor que ultrapassa a morte, a nossa terra converteu-se num rito.
2.
O rito das águas inumeráveis que surgem da terra como plantas;
- as plantas desta terra são os rios, como a água é a terra das plantas;
no inverno, os rios gelam, gelam os lagos e os tanques,
mas as fontes brotam: a Vida das águas fará o gelo explodir.
A nossa terra aproximar-se-á do sol e ele será suficiente
para que a vida ressurja.
Reviverão as águas, reviverão as árvores, REVIVERÁ
A TERRA e virá a ser um rito,
levar-te-á para lá do círculo da morte inscrito nela.
A necessidade de VIVER - dizem a terra e a água cada primavera -,
não é talvez mais forte que a necessidade de morrer?
- assim dizem a terra e a água no seu sussurro recíproco.
Tal sussurro, como o traduzirás na tua própria linguagem?
Como enxertarás no teu pensamento a morte e a Vida da terra?
O rito das águas tem uma voz diferente na primavera,
quando devolve a vida à terra,
e é diferente no verão, quando o homem arde em sede
como o leito de um rio
e o corpo é todo ele um anelo de pureza e frescura...
O homem absorve então o rito das águas
- e nele encontra o seu equilíbrio.
A água fala-nos mais de durar do que de passar
no fluxo dos teus destinos és duradoura, ó água!
A ti, homem imerso na água, digo
que és o destino da terra.
A nossa terra veio a ser um rito de plantas e de árvores
que se abrem como um pensamento saturado de sabedoria,
Sabedoria que é a nossa Pátria, escolhida pelo coração,
com o assentimento da terra.
3.
Com as suas mãos o homem agarra a luz como um
remador que dirige a barca,
entra na luz com todo o seu ser, com toda a carga
das suas palavras e dos seus atos.
Quer ficar nela, quer guardá-la dentro de si,
ou quer mesmo irradiá-la?
Sente a obscuridade, a penumbra, às vezes sustenta
sobre as palmas das mãos
um frágil véu de luz, como sustentaria uma criança recém-nascida;
e canta à luz as canções que uma ama cantaria ao embalar;
- depois cala-se e as canções brilham até que a criança
é envolvida na sombra da existência.
O terra que nos geras, não geras connosco a luz,
mas apenas o véu frágil, ténue, que basta às plantas e aos animais!
Bem diferente é a luz de que uma criança precisa,
luz feita de substância que o abraço materno não pode encerrar.
Bem diferente é a luz de que uma criança precisa...
Sou-te leal, terra, quando falo da luz que tu não podes dar
porque falo da LUZ: sem a qual o HOMEM não pode realizar-se,
nem tu tão-pouco, terra, te poderias realizar no homem.
No rito da água e da luz estás presente e calas.
O homem passará sobre o rito com a sua vida e a sua morte
e tu pensarás que o terá espezinhado. ..
Passará o homem, passarão os homens - correrão,
gritando «a vida é luta»
e da luta, que farão surgir: uma terra nova?
(Quando a terra, depois das lutas dos homens, ficar
plena da sua própria quietude, pensarás que a espezinha ?)
KAROL WOJTYLA
in, A PEDREIRA E OUTROS POEMAS
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