sábado, 25 de junho de 2016

OS RELACIONAMENTOS COMO EXERCÍCIO ESPIRITUAL




À medida que o modo egóico da consciência e todas as estruturas sociais, políticas e económicas que o criaram entram na fase final da sua decadência, os relacionamentos entre homens e mulheres reflectem o profundo estado de crise em que a Humanidade se encontra. E como os seres humanos se têm vindo a identificar cada vez mais com as suas mentes, muitos dos relacionamentos não se enraízam no Ser e por isso transformam-se numa fonte de sofrimento e são dominados por problemas e conflitos.

  • Há actualmente milhões de pessoas que vivem sozinhas ou são pais solteiros, incapazes de estabelecerem um relacionamento íntimo ou não querendo repetir o drama de relacionamentos anteriores. 
  • Outros andam de relacionamento em relacionamento, passando de um ciclo de prazer e dor para outro, à procura da realização pessoal, que lhes escapa sempre, através de uma união com a energia de polaridade oposta. 
  • Outros ainda chegam a um compromisso e continuam juntos num relacionamento disfuncional em que prevalece a negatividade, por causa dos filhos ou da segurança, por força do hábito, por medo de ficarem sós, ou por qualquer outra razão mutuamente "benéfica", ou mesmo devido a uma dependência inconsciente da excitação do drama e do sofrimento emocionais.


Não obstante, qualquer crise representa não apenas um perigo, mas também uma oportunidade.

Se os relacionamentos incutem energia à mente egóica, fortalecem os seus padrões e activam o corpo de dor, como acontece nessa altura,
Porquê não aceitar esse facto em vez de tentar escapar-lhe?
Porquê não cooperar com ele em vez de evitar os relacionamentos e continuar a perseguir o fantasma de um parceiro ideal como resposta aos seus problemas e como um meio de se sentir realizado?

A oportunidade que se esconde dentro de cada crise não se manifesta antes de todos os factos de uma dada situação serem reconhecidos e plenamente aceites.

Enquanto você os recusar, enquanto lhes tentar escapar ou desejar que as coisas sejam diferentes, a janela da oportunidade não se abrirá e você ficará prisioneiro dessa situação, que continuará a ser a mesma ou se deteriorará ainda mais.

O reconhecimento e a aceitação dos factos trazem consigo um certo grau de libertação dos próprios factos. 

Por exemplo, quando você sabe que há desarmonia e se agarra a esse "saber", através desse seu saber surge um factor novo que poderá vir a combater a desarmonia. Quando você sabe que não está em paz, esse seu saber cria um espaço de quietude que rodeia a sua ausência de paz num abraço de amor e ternura e depois a transmuta em paz.
No que diz respeito à transformação interior, não há nada que você possa fazer. 
Você não se pode transformar a si próprio, e certamente não pode transformar o seu parceiro ou qualquer outra pessoa. 

Tudo o que você pode fazer é criar um espaço para que a transformação aconteça, para que a graça e o amor entrem na sua vida.

Portanto, alegre-se sempre que o seu relacionamento não funcionar, sempre que ele revele a "loucura" que há em si e no seu parceiro. O que era inconsciente estará então a ser trazido para a luz. É uma oportunidade de salvação.
Em cada momento, agarre-se àquilo que sabe desse momento, particularmente ao que sabe do seu estado interior.

Se houver cólera, reconheça que há cólera. Se houver ciúme, uma atitude defensiva, um impulso para discutir, uma necessidade de ter razão, uma criança interior a exigir amor e atenção, ou um sofrimento emocional de qualquer espécie – seja o que for, reconheça a realidade desse momento e agarre esse saber. 

O relacionamento torna-se então o seusadhana, o seu exercício espiritual. Se observar um comportamento inconsciente no seu parceiro, envolva-o no amor do seu saber, para que você não reaja a esse comportamento. A inconsciência e o saber não podem coexistir por muito tempo – mesmo se o saber estiver apenas na outra pessoa e não naquela que está a ter um comportamento inconsciente. A forma de energia que reside por trás da hostilidade e da agressividade acha absolutamente intolerável a presença do amor. Se você reagir, seja de que forma for, à inconsciência do seu parceiro, você próprio se torna inconsciente.
Mas se se lembrar então de reconhecer a sua reacção, nada estará perdido.

A humanidade encontra-se sob uma grande pressão para evoluir, porque é a nossa única oportunidade de sobrevivermos como raça. Isso afectará cada aspecto da sua vida, particularmente o aspecto dos seus relacionamentos íntimos. Nunca os relacionamentos foram tão cheios de problemas e de conflitos como agora. Como você terá já provavelmente notado, eles não existem para o fazerem sentir-se feliz ou realizado. Se você continuar a perseguir a salvação através de um relacionamento, ficará desiludido vezes sem conta.
Mas se aceitar que o relacionamento existe para o tornar consciente em vez de feliz, então o relacionamento oferecer-lhe-á a salvação, e você estará a entrar em sintonia com a consciência mais elevada que está a tentar entrar neste mundo. Para aqueles que se agarram aos velhos padrões, haverá sofrimento, violência, confusão e loucura crescentes.

Suponho que é necessário que ambos os parceiros se esforcem para transformar um
relacionamento num exercício espiritual, como sugere. Por exemplo, o meu companheiro
continua a exibir os seus velhos padrões de ciúme e repressão. Chamei-lhe a atenção 
muitas vezes, mas ele é incapaz de o ver.

Quantas pessoas são precisas para fazer da sua vida um exercício espiritual?
Não se preocupe se o seu companheiro não cooperar. O bom senso – a consciência – só poderá vir a este mundo através de si. 
Você não tem de esperar que o mundo se tome sensato, ou que alguém se tome consciente, para poder ser iluminado. Caso contrário, teria de esperar para sempre.
Não se acusem um ao outro de serem inconscientes.
No momento em que você começa a discutir, identifica-se com uma posição mental e passa a defender não só essa posição mas também a sua sensação de eu. O ego assume o comando.
Você torna-se inconsciente.
Às vezes, poderá ser conveniente chamar a atenção do seu parceiro para certos aspectos do seu comportamento. Se você estiver muito atento, muito presente, poderá fazê-lo sem envolver o ego – sem culpar, acusar ou fazer o outro sentir que não tem razão.

Se o seu companheiro se comportar inconscientemente, evite emitir qualquer juízo de valor.
Julgar só serve para confundir o comportamento inconsciente de alguém com a pessoa que esse alguém é, ou então para projectar a sua própria inconsciência numa outra pessoa e identificá-la com isso. 

Evitar julgar não significa que você não reconheça a disfunção e a inconsciência quando as vê.
Significa mais "ser o saber" do que "ser a reacção" e o juiz. 
Você ficará então totalmente livre de reacção, ou então reagirá e continuará a ser o saber, o espaço onde a reacção é observada e onde lhe é permitido ser.

  • Em vez de lutar contra as trevas, você fará entrar a luz. 
  • Em vez de reagir à desilusão, verá a desilusão e ao mesmo tempo olhará através dela. 

Ser o saber criará um espaço evidente de presença e de amor que permitirá que todas as coisas e todas as pessoas sejam tal como elas são.
Não existe maior catalisador da transformação.

Se você praticar isso, o seu parceiro não poderá ficar consigo e continuar a ser inconsciente.

Se ambos concordarem que o relacionamento seja o vosso exercício espiritual, tanto melhor. 
Assim poderão exprimir um ao outro os pensamentos e sentimentos logo que estes ocorram, ou assim que surja uma reacção, de forma que não se crie um hiato de tempo em que uma emoção ou uma ofensa não expressa ou não reconhecida possam ulcerar e crescer. 


  • Aprenda a exprimir aquilo que sente sem culpar ninguém. 
  • Aprenda a ouvir o seu companheiro de maneira franca e não defensiva. 
  • Dê ao seu parceiro espaço para se exprimir. 
  • Esteja presente. Acusar, defender, atacar — todos esses padrões destinados a fortalecer ou a proteger o ego ou a satisfazer as suas necessidades tornar-se-ão redundantes. 
  • É vital dar espaço aos outros — e a si próprio. O amor não pode florescer sem espaço. 


Se você remover os dois factores que destroem os relacionamentos — se o corpo de dor for transmutado e você deixar de se identificar com a mente e com posições mentais, e se o seu parceiro fizer o mesmo —, sentirá a felicidade de ver o seu relacionamento a florescer.
Em vez de espelharem o sofrimento e a inconsciência um do outro, em vez de satisfazerem as necessidades de dependência do vosso ego, você e o seu companheiro reflectirão o amor profundo que sentem, o amor que tem origem na união com tudo o que existe.
É este o amor que não tem oposto.

Se o seu companheiro continuar identificado com a mente e com o corpo de dor quando você já se tiver libertado, isso representará um desafio importante — não para si, mas para o seu companheiro. 
Não é fácil viver com uma pessoa iluminada, ou antes, é tão fácil que o ego acha isso extremamente ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas, de conflitos e de "inimigos" para fortalecer a sensação de separação de que a sua identidade depende. A mente do parceiro não iluminado sentir-se-á profundamente frustrada porque não há resistência às suas posições fixas, significando isso que elas se tornam vacilantes e fracas, havendo mesmo o "perigo" de poderem entrar totalmente em colapso, resultando daí uma perda de identidade.
O corpo de dor exige reacções e não as obtém. 
A sua necessidade de discussões, drama e conflitos não é satisfeita. 

Mas cuidado: há pessoas que são indiferentes, introvertidas, insensíveis, ou estão desligadas dos seus sentimentos, mas que podem pensar e tentar convencer os outros de que são iluminadas, ou pelo menos de que não há "nada de errado" com elas e que é o parceiro que tem problemas. Os homens são mais atreitos a isso do que as mulheres. Tendem a considerar as parceiras como irracionais ou emocionais. Mas se você sentir as suas emoções, não estará longe do radioso corpo interior subjacente a elas. Se você for muito cerebral, a distância é muito maior e precisará de tomar consciência do corpo emocional antes de poder alcançar o corpo interior.
Se não houver uma emanação de amor, de alegria, de presença total e franqueza para com todos os seres, então não há iluminação.

Um outro indicador é a maneira como uma pessoa se comporta em situações difíceis ou que sejam uma provação, quando as coisas "correm mal". Se a sua "iluminação" for uma auto-ilusão egoica, então a vida depressa lhe apresentará uma provação que mostrará a sua inconsciência seja sob que forma for – medo, ira, atitudes defensivas, juízos, depressões, emoções semelhantes.
Se você estiver num relacionamento, muitas das suas provações virão do seu parceiro.

Por exemplo, uma mulher poderá ser posta à prova por um parceiro indiferente que seja muito cerebral. Ela sentir-se-á posta à prova pela incapacidade dele em ouvi-la, em lhe dar atenção e espaço
para ser, o que é devido à falta de presença dele. A ausência de amor num relacionamento, que geralmente é sentida mais vivamente pela mulher do que pelo homem, fará despertar o corpo de dor da mulher e, através dele, ela atacará o parceiro – acusações, críticas, censuras, etc. Por sua vez, esta situação transforma-se na provação dele. Para se defender dos ataques do corpo de dor dela, que ele considera totalmente injustificados, ele entrincheirar-se-á ainda mais profundamente nas suas posições mentais, ao mesmo tempo que se justifica, se defende ou contra-ataca.
Isso acabará por activar o seu próprio corpo de dor.
Quando ambos os parceiros se deixam dominar deste modo, alcançam um nível de profunda inconsciência, de violência emocional, de ataques e contra-ataques furiosos. A violência não diminuirá até ambos os corpos de dor se terem reabastecido e entrarem depois numa fase de latência. Até ao próximo confronto.

Esta é apenas uma das muitas situações possíveis.
Escreveram-se muitos volumes, e muitos mais poderiam ser escritos, sobre a inconsciência nos relacionamentos entre um homem e uma mulher. Mas, como eu já disse, quando você compreender a raiz da disfunção, não precisa de explorar as suas inúmeras manifestações.

Vamos rever brevemente a situação que acabei de descrever. 
Toda a provação que ela contém é na realidade uma oportunidade oculta de salvação.
Em cada uma das fases do processo disfuncional, é possível libertar-se da inconsciência.
Por exemplo, a hostilidade da mulher poderia funcionar como um sinal para o homem abandonar o seu estado de identificação com a mente, para despertar no Agora, para se tornar presente – em vez de se identificar ainda mais com a mente e tornar-se ainda mais inconsciente.
Em vez de "ser" o corpo de dor, a mulher poderia ser a conhecedora que observa o sofrimento emocional em si própria, acedendo assim ao poder do Agora e iniciando a transmutação do sofrimento. 
Isso faria com que deixasse de projectar a sua dor, de forma compulsiva e automática, para o exterior. A mulher poderia então exprimir os seus sentimentos ao seu parceiro.

É evidente que não há a garantia de que ele a ouça, mas dar-lhe-ia uma excelente oportunidade para se tornar presente e romper o insensato ciclo da representação involuntária de velhos padrões da mente. Se a mulher perder essa oportunidade, o homem poderá observar a sua própria reacção mental e emocional ao sofrimento dela, a sua própria atitude defensiva, em vez de ser a reacção. Ele poderia então observar o seu próprio corpo de dor a despertar e a tomar assim consciência das suas emoções. Desta maneira, surgiria um espaço claro e sereno de pura consciência – o conhecedor, a testemunha silenciosa, o observador. Esta consciência não recusa o sofrimento e no entanto transcende-o. Permite que o sofrimento seja e contudo transmuta-o ao mesmo tempo. Aceita tudo e transforma tudo. Abre-se então uma porta para que ela se possa juntar a ele nesse espaço.

Se você estiver presente de maneira consistente, ou pelo menos predominante, no seu relacionamento, este será o maior desafio para o seu parceiro.
Ele será incapaz de tolerar a sua presença por muito tempo e continuar a ser inconsciente.
Se ele estiver pronto, entrará pela porta que você lhe abriu e juntar-se-á a si nesse espaço.
Se não o fizer, ambos se separarão como o azeite e a água.
A luz é demasiado dolorosa para alguém que queira permanecer nas trevas.


Eckhart Tolle
in, O Poder do Agora
Relacionamentos Iluminados(cap 8)


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