A palavra Maya se traduz frequentemente
como “ilusão”.
Porém, ela nunca apareceu com esse sentido nas escrituras do Yoga.
Indo ao dicionário sânscrito, veremos que, em primeiro lugar, Maya significa “sabedoria”, “poder extraordinário”.
Num segundo nível de significado, é também “truque de mágica”, “feitiçaria”, “fantasma”, e designa, ainda, algo falso ou irreal.
Num outro nível ainda, a palavra Maya aponta para as manifestações da Deusa.
Podemos usar três diferentes categorias para classificar aquilo que percebemos na realidade:
1) real,
2) falso, e
3) inexistente.
Basicamente tudo aquilo que fazemos na vida está pautado pela compreensão da diferença entre o que é verdadeiro, o que é falso, e o que é inexistente.
Desde o ponto de vista de cada um, existem coisas que são mais importantes e outras menos.
Damos obviamente prioridade àquilo que consideramos essencial. No entanto, pode haver uma confusão entre o que é e o que não é importante.
Maya não é verdadeiro, nem falso, nem inexistente,
como veremos a seguir.
Vamos considerar a questão forma-essência refletindo sobre o exemplo clássico do metal e os ornamentos feitos com ele. Uma pulseira de ouro é essencialmente igual a um colar ou a um anel de ouro, no sentido que todos os ornamentos são somente ouro, sob formas distintas.
Aquilo que chamamos pulseira, colar ou anel, é Maya, o relativo, aquilo que muda. O ouro é a essência imutável, da qual os ornamentos estão feitos.
Chamemos essa essência imutável de Satyam,
que significa verdadeiro, real.
Objetivamente falando, não existem pulseiras, colares ou anéis, mas somente ouro.
Da mesma maneira acontece com a realidade.
Maya não é uma ilusão ou algo irreal: tem existência objetiva.
No entanto, a existência de Maya depende da presença do Ser.
Desta forma, tudo o que existe é o Ser, assim como todos os ornamentos são, essencialmente, ouro. Não podemos afirmar que os ornamentos sejam ilusórios ou inexistentes.
Mas, se precisarmos vender as jóias, o comprador irá nos pagar somente pelo peso do ouro, independentemente da forma que esse ouro tenha.
Portanto, o ouro é a verdade, e a jóia é o relativo. O que é o real, então? O ouro.
O peso de uma pulseira não pode ser separado do peso do ouro com o qual ela está feita.
A realidade da pulseira é ser ouro. A textura da pulseira é a textura do ouro. A pulseira não está no ouro. A pulseira é ouro.
O Ser está em todas as formas.
O Ser transcende todas as formas.
Porém, precipitadamente, concluímos que, se a pulseira é ouro, o ouro também será pulseira. Esse é justamente o problema. E é aí que o conhecimento adequado do Ser pode indicar o sentido das coisas. Ouro é ouro.
Compreendendo a natureza do ouro, constatamos que as eventuais formas que ele possa assumir não fazem parte dessa natureza. Por isso, somos capazes de reconhecer o ouro, independentemente da forma que este assuma. O ouro transcende as formas. Compreendendo que o ouro transcende todas as formas, somos capazes de reconhecê-lo sob qualquer forma.
Se quisermos nos livrar de algum problema vinculado com as formas, é questão de lembrar que somos essência. Isso resolve todos os problemas existenciais, emocionais e outros. Há inúmeras formas, mas um único Ser. Não podemos afirmar que as diversas formas da criação não existam.
Entretanto, tampouco podemos dizer que elas sejam verdadeiras (satyam), já que elas dependem da presença do Ser para existir. A realidade do ornamento é que ele não é satyam. Satyam é o ouro, e somente ele. O ornamento não é nem verdadeiro, nem falso, nem não-existente. O que é o ornamento? A resposta: Maya.
Quando dizemos pulseira de ouro, a palavra ouro torna-se um adjetivo da pulseira. Um adjetivo que o diferencia das demais pulseiras. Assim surge a dualidade. Existem diferentes pulseiras. O ouro é satyam, é a realidade. A pulseira depende da existência do ouro. A palavra, assim, revela a nossa compreensão da realidade.
A pulseira não é satyam; é maya.
Para mantermos a clareza, precisamos lembrar que satyam jamais deveria tornar-se um adjetivo. A palavra satyam cobre aquilo que é; a palavra maya, aquilo com o que lidamos no mundo das formas. Maya é aquilo que possui uma forma, que exerce uma função na criação, que é útil.
Pedro Kupfer
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