terça-feira, 14 de junho de 2016
A Individualidade
Segundo o psicanalista Flávio Gikovate, no seu livro "Uma História de Amor Com Final Feliz", o ideal de amor romântico que predomina no imaginário colectivo está com os dias contados.
Gikovate apresenta uma proposta inusitada acerca da questão do amor:
Formar laços que respeitem a individualidade;
Ou viver só, estabelecendo vínculos afectivos e eróticos mais superficiais.
Deixo aqui alguns excertos:
O amor como o vivemos hoje é imaturo e regressivo
“Uma relação compatível com os tempos modernos é a que respeita a individualidade. Existe respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar. É parecido com a amizade porque aproxima "duas unidades" e não "duas metades". Basicamente, é uma forma adulta e sólida de relacionamento, na qual a palavra concessão é substituída por respeito”.
Medo de se relacionar
“Parte do medo de se relacionar é o de perder a individualidade. Então, o indivíduo foge. Se não foge, chega uma altura em que começa a se sufocar pela falta da individualidade de novo. Mas com o tempo o medo vai diminuindo junto com a vontade de ficar agarrado e vai aumentando a individualidade. É como se o amor bem resolvido curasse o indivíduo do mal de amar. É importante lembrar que o sonho de fusão continua presente. Mas duas coisas se modificaram nesse ideal do amor: a independência da mulher, desequilibrando a ideia de fusão com uma liderança masculina, e o avanço tecnológico, que criou condições extraordinárias para o entretenimento individual. Hoje, há uma luta muito mais ostensiva entre amor e individualidade”.
Só Ficar
“As relações amorosas sempre vão existir. O que eu defendo, e acredito, é que elas vão mudar. Porque o mundo mudou e está impondo a necessidade de levar em conta a individualidade. As relações casuais também vão continuar a acontecer. E, nessa nova ordem, ela nem sempre será considerada má. Se houver maturidade de ambas as partes, restará sempre uma boa relação afectiva, ainda que superficial. O status do "ficar", criado pelos jovens, é uma condição de relacionamento simplesmente perfeita. É um bom ensaio para atingir a maturidade.
Temos que ser observadores imparciais e tirarmos vantagens das coisas, em vez de ficarmos a lamentarmo-nos. A vantagem é: avanço moral, avanço da capacidade dos seres humanos de ficarem sozinhos e aprendizagem para resolver esta situação de incompletude. Esta é uma novidade que mata a ideia do amor no seu sentido tradicional, como remédio para a incompletude.
O amor como remédio tem que desaparecer porque é um mau remédio”.
No seu livro, "Ensaios sobre o amor e a solidão", ele diz:
"O amor romântico é, talvez, o modo mais ciumento e possessivo de amar, apesar de ser uma adorável experiência e um óptimo remédio – paliativo – para a nossa condição de desamparados."
"...precisamos buscar a estabilidade na individuação, mantendo-se a individualidade, não anulando-a.
Confesso que não vejo solução para a FUSÃO romântica. Não posso deixar de considerar inevitável que, sendo o outro peça necessária para a minha estabilidade emocional, desenvolverei mecanismos de dominação que farei agirem sobre ele. Não posso deixar de acreditar que, sendo outro uma peça fundamental para a minha estabilidade emocional, eu tenha entrado por um atalho no qual minha dependência em relação a ele crescerá, ao mesmo tempo que a minha auto-estima decrescerá. Sim, porque estarei sempre mais preocupado em saber como vai o outro do que com aquilo que se está a passar dentro da minha alma. Não é bom para mim nem para o outro que ele seja a minha salvação. Não há salvação possível por meio do outro, que é um pobre-diabo perdido e desamparado igual a mim.”
“Um importante vício ligado à vaidade corresponde a um dos componentes que nos prendem ao trabalho. Não deixa de ser interessante percebermos que aqueles que nunca trabalharam não sentem a falta que observamos nos que já se dedicam a esse tipo de actividade, principalmente os que desempenham uma tarefa destacada. Seria simplório considerarmos esse o único factor que nos ata ao trabalho, ao qual nos dedicamos também porque necessitamos de retorno material e gostamos de nos manter entretidos intelectualmente em outras coisas que não nós mesmos; por essa via, sentimo-nos úteis, além de contar com uma boa fonte de relacionamentos pessoais e de conhecimento de pessoas com as quais podemos ter afinidades maiores. Assim, o trabalho acaba por se transformar na actividade mais consistente e estável da vida de muitos de nós justamente por preencher várias de nossas necessidades e anseios íntimos. Por conter tantos elementos gratificantes e importantes, o trabalho talvez seja o único evento existencial comparável ao amor, a única actividade que tenha peso e importância igual ou superior ao amor na nossa vida.
Tendemos a nos apegar de modo mais intenso às práticas ou situações que mais firmemente atenuem nossas dores e que nos dêem a maior quantidade possível de prazeres. O amor, sentimento que desenvolvemos em relação a dada pessoa, tende a viciar porque esta passa a ser a nossa principal fonte de aconchego. Além disso, muitos dos comportamentos do amado relacionados com acções que nos prestigiam também nos fazem sentir importantes, especiais, únicos e, portanto, significantes. Adoramos sentirmo-nos assim, de forma que nos apegamos ainda mais à pessoa que desperta em nós tantas sensações agradáveis. Na verdade, viciamo-nos na pessoa amada e não no sentimento que temos por ela. Quando me reporto ao vício do amor, estou a referir-me à dependência psicológica máxima que sentimos em relação a determinada pessoa. Se podemos nos sentir mal pela ausência de um cilindro brando cheio de pedaços de tabaco, o que dizer do vazio que sobra em nós quando nos vemos privados de um ser humano que nos aconchega e que ao mesmo tempo nos faz sentir importantes?”
"… A esse modo de amar, que vai muito além do amor romântico, chamo de "mais que amor" ou "+amor". Corresponde à intimidade entre inteiros e não à tentativa de fusão de duas metades. Implica respeito pelo modo de ser de cada um e pela individualidade dos envolvidos. Equivale ao sentimento que aproxima pessoas que conseguiram ter sucesso na dificílima tarefa de superar os acontecimentos infantis e a pressão para a perpetuação de relações de dependência, ainda maioritárias na sociedade.
O +amor só pode estabelecer-se depois de um importante movimento interior que tenha como meta a absoluta negação de todo tipo de dependência como parte da nossa vida íntima. É muito difícil não dependermos de nada e de ninguém; contudo, acho que esse deve ser um de nossos objectivos.”
"Temos que entender que somos unidade e não fracção. Se termos um companheiro(a), ser um complemento, mas não parte essencial para o seu bem-estar, porque aí seria dependência psicológica."
No seu Livro, "Além do Divã", diz que "O machismo é o maior inimigo do homem":
"A tese da superioridade masculina esteve em vigor ao longo dos séculos e só passou a enfrentar resistência feroz e crescente a partir do século XX.
Além de fisicamente mais fortes, os homens sempre se acharam mais inteligentes, criativos e portadores de maior bom senso. Isso lhes dava o direito de mandar em toda a família. Sentiam-se muito confortáveis ao rebaixar e humilhar as suas esposas. Atribuíam a si uma liberdade social e sexual proibida para elas.
Tais direitos implicavam também em deveres: tinham que ser os protectores e provedores de suas famílias. Deveriam cuidar da castidade de suas filhas e de afastar outros homens de suas esposas. Tinham que protegê-las contra ladrões e aventureiros. Para ganhar o pão se sacrificavam muito e sua honra dependia dos bons resultados, o que sempre onerou emocional e fisicamente os homens – que vivem, em média, 7 anos a menos que as mulheres.
Acontece que o rol das obrigações masculinas só tem crescido ao mesmo tempo que os direitos especiais estão desaparecendo. Vou dar apenas alguns exemplos:
1. Eles sentem que tem que estar sempre disponíveis sexualmente para as suas esposas – e também para as outras mulheres (no passado elas não manifestavam claramente seus desejos, de modo que tal pressão não existia);
2. Qualquer fracasso nessa área arruína a autoestima deles, sendo que este evento se torna cada vez mais comum (até porque as mulheres agem de forma mais directa e intimidante);
3. Devem tentar abordar sexualmente todas as mulheres disponíveis (que agora são muitas) sob pena de serem objecto de chacota dos amigos;
4. Não podem recusar-se sexualmente em casa e muito menos na rua;
5. Têm que ser competentes para conduzi-las ao orgasmo (preocupação que inexistia em homens e mulheres até há poucas décadas);
6. Têm que estar à altura das expectativas eróticas delas, o que implica inclusive um maior cuidado com o próprio corpo (elas agora são as que os julgam também como machos).
A lista poderia ser maior.
É facto que as mulheres também estão mais exigentes do que antes.
Os homens deveriam mesmo é aproveitar o momento, rico em mudanças, para melhorar a sua condição, e não para se afundar ainda mais em deveres.
O lema da emancipação masculina deveria ser: "Abaixo o machismo!"."
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