quinta-feira, 24 de setembro de 2015
O Terceiro Caminho
Não defendo este partido, nem o outro; se ambos diferem à superfície e podem arrastar opiniões, aprofundemos nós um pouco mais e olhemos o substracto sobre que repousa a variedade; o mundo das formas levanta oposições que se desfazem à luz do entendimento; só a esta queremos ver, nas horas mais sérias, o que nos oferece o universo; e não há motivo algum para que eu tenha diante do facto político uma atitude diversa da que tenho perante o som ou a cor.
Que vejo de comum?
O rebanho dos homens, ignorantes e lentos no pensar, que se deixam arrastar pelas palavras e com elas se embriagam; nos mais altos, a fuga das responsabilidades claramente assumidas, a recusa ao sacrifício de tudo ante a ideia, a disposição para manejarem a bondade e o heroísmo dos outros, o imoderado apetite do poder, o ódio cego ao adversário que procuram vencer por qualquer meio; a alimentar o fogo da acção, as mesmas confusas noções, as mesmas frases de catecismo branco ou vermelho, os mesmos ritos, as mesmas superstições.
Só posso estar ao lado de qualquer deles quando o sinta vencido; porque há então uma coincidência dos seus interesses com a defesa do Bem; enquanto mandarem, só deverão contar com a oposição mais decidida às vagas de ódio por que se deixam arrastar, às violências que ordenam ou permitem; é um dever de consciência tão imperativo salvar o homem que se afoga, como dizer a verdade ao que manda demais; e já a alma está tanto mais presa do demónio, quanto mais se recusa a escutar as palavras severas.
Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.
Agostinho da Silva
in, Diário de Alcestes
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