Que o torpor da morte
não nos mergulhe no desespero de uma ausência,
mas antes na doce tranquilidade da espera
e no milagre de continuados renascimentos.
Que me perdoem os crentes, que buscam na liturgia a redenção dos pecados e na hóstia o encontro com deus, a mim faz-me sentido o mundo inteiro e cada um dos seres que o habitam morrendo e ressuscitando a cada dia que passa, faz-me sentido o céu mudando de tonalidade ao longo do dia, a comunhão de todos os seres numa essência comum, faz-me sentido experienciar deus nos gestos mais simples do quotidiano.
Cristo não é sequer - para mim - uma metáfora do mártir, mas um homem comum que soube elevar-se acima dos condicionamentos e das contrariedades e dos caprichos e que, benignamente, deixou que a sua luz ficasse ao alcance de todos aqueles que escolhem viver de olhos abertos.
Aleluia e talvez o significado da morte não seja mais do que um momento de pausa, um intervalo entre o que fomos e o que iremos ser, a consciência de que a cada instante das nossas vidas somos tudo o que somos e de que há uma páscoa presente em cada uma das nossas células.
E se é certo que os homens precisam de histórias, que precisam de uma linguagem de símbolos para se situarem na realidade dos mitos, não é menos verdade que a alma se sobrepõe aos arquétipos.
De que nos serve a celebração do mistério pascal se ao longo do resto do ano, se ao longo do resto da vida, não formos capazes de ressuscitar do sono mortal de todas as noites e de, a cada manhã, nos descobrirmos abençoados pelas infinitas possibilidades de recomeçarmos tudo de novo?
Inês de Barros Baptista
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