domingo, 8 de março de 2015

Dia Internacional da Mulher



“A mulher afirma-se pela fala, tem uma capacidade de verbalização característica, tanto pela positiva, como pela negativa.
Como o homem sabe disso, manda-a calar.
O falar parece ser, às vezes, uma substituição do pensar, mas não: trata-se da expressão de um pensamento.
Há um pensar que leva a agir, um pensar que leva a falar, um pensar que leva ...ao silêncio.
Esse é o pensar profundo que se transforma em acto e obra.
A tagarelice é o pensar que não assentou.
 A tradição obrigou a mulher a ficar dentro de uma caixa de vidro na qual era visível, mas não audível. Então ela falou desesperadamente, mas sem qualquer efeito.
Quando partiu essa prisão de vidro, a sua voz transformou-se num acto revolucionário.
A mulher moderna é o efeito dessa explosão, da saída da clausura que é a casa, a família, a beleza obrigatória. Quando toma a palavra, rompe essa teia que a envolvia numa rede de silêncio e de idealização.
A mulher não é a Eva, representativa da origem do mal da humanidade, nem a figura platónica que o petrarquismo elevou a ídolo."

 ANA HATHERLY



O Dia Internacional da Mulher não é para as mulheres que nasceram no Ocidente no século XX, mas para as mulheres do mundo que não podem levantar-se e protestar em público, como nós podemos.

Depois de ver o documentário "India's Daughter" esta semana divulgado pela BBC, só dá para sentir este dia 8 de Março desta forma...

É cansativo ser mulher.

"Além das partes dolorosas de que trata a ginecologia, temos de ser simpáticas todo o tempo.
Se queremos ir longe neste mundo, um mundo obcecado com a juventude e a beleza, precisamos de aparecer bonitas e perfumadas todos os dias, com pelo menos uma pitada de apelo sexual.
Convém-nos ainda chegar onde queremos antes da meia-idade, porque é na meia-idade que nos tornamos invisíveis para o resto do mundo. E é verdade: podemos arranjar oportunidades na vida exibindo as nossas mamas, mas temos que sofrer os soutiens desconfortáveis que as mantêm no sítio.

Para provar o que valem, as mulheres têm de trabalhar mais, sem se esquecerem de, ao mesmo tempo, não parecerem mais espertas que os seus colegas, e tudo isto ganhando sempre menos do que eles. E depois, ainda têm de lidar com a culpa de serem mães que trabalham, ou de serem mães que abdicaram da carreira.
Ao falarmos alto na internet, recebemos ameaças de violação, entre outras....ou que o nosso mal é falta de peso...
É mil vezes mais provável que o homem com quem vivemos nos bata, do que nós batermos neles.
E algumas de entre nós morrem às mãos de homens que dizem que nos amam.

Por isso, minhas senhoras, espero que recebam esta manhã o vosso peso em flores, chocolates e amor e o pequeno-almoço na cama, tudo por terem nascido com esses dois cromossomas X cá no Ocidente. Vá, mandem parabéns às colegas no Facebook, e comecem o dia com um sorriso muito feminino.
Continuem assim, a viver na ilusão...
É ilusoriamente bom para vocês, e eles agradecem a boa disposição!
Ganham uns "créditos", como eles dizem...

Ou não. Devolvam as flores, metam os chocolates na gaveta para outro dia, porque este dia de hoje não é para nós.
Não, não é para as mulheres que nasceram no Ocidente no século XX, como nós.

O Dia Internacional da Mulher é para as mulheres do mundo que não podem protestar em público, como nós podemos. 
É para aquelas que não podem deixar o marido, não podem falar com quem quiserem na rua, e não têm opção senão usar véu. 
O dia de hoje é para aquelas mulheres que não podem exigir justiça, que não podem planear a sua gravidez, e nem têm direito a cuidados básicos na altura do parto. 
É para todas as bebés que são mortas à nascença por terem nascido com o sexo errado. 
É para as mulheres cujos órgãos sexuais foram mutilados enquanto crianças, em operações que matam umas e deixam as outras traumatizadas física e psicologicamente para o resto das suas vidas. É para as mulheres utilizadas como troféus de guerra, para serem violadas ou escravizadas. 
É para as mulheres que não têm direito de voto, nem têm direito a fazer escolhas no seu dia-a-dia. 
O dia de hoje é para elas, aquelas mulheres cujo sofrimento e falta de liberdade derivam do simples facto de terem nascido no país errado com dois cromossomas X.

Quem defende a dignidade humana só pode ser feminista, homens e mulheres, até ao dia em que já não exista nenhuma destas LEIS grotescas: 
na Índia, a violação é permitida mesmo que a rapariga tenha 15 anos de idade e desde que seja praticada pelo próprio marido.
Nas Bahamas a fasquia baixa até aos 14 anos e em Singapura até aos 13.
Em Malta, o crime de violação (ou rapto) é anulado desde que o autor case com a vitima.
Na Nigéria, a violência sobre as mulheres não é crime quando tem o propósito de “corrigir” a mulher. Na China e na Rússia, existem diversas profissões que são interditas às mulheres.
Em Madagáscar, as mulheres não podem ter contratos de trabalho nocturno a não ser que sejam negócios familiares.
Na Arábia Saudita, as mulheres estão impedidas de  tirar a carta e conduzir.
Na República do Congo, as mulheres são obrigadas a viver para sempre com os seus maridos e acompanha-los no seu dia a dia.
Na Tunísia, nos Emirados Árabes Unidos, no Irão a mulher vale (legalmente) menos do que o homem e em caso de herança as filhas ficam sempre prejudicadas enquanto que os filhos homens herdam a maior fatia. No tribunal, o valor de um depoimento de uma mulher é metade do do homem, ou seja, têm de ser duas mulheres para que o testemunho seja aceite no processo, mas o homem vale por si próprio. Assim como a indemnização em caso de morte de um filho é superior para os pais comparativamente ao que recebem pelo falecimento de uma filha.

Apenas enumerei algumas das leis que nos dias de hoje protegem estas desigualdades perpetuando um sofrimento incalculável a milhares de mulheres e as impossibilitam de escolher.
As decisões sobre a sua vida, o seu corpo, a sua vontade.
Não terem acesso a cuidados de saúde, sexual e reprodutiva e a serviços de educação.

Se o dia de hoje é para nós, é para nos lembrarmos dessas mulheres, não é para chocolates e flores. As limitações que enfrentamos no Ocidente — e, sim, ainda enfrentamos muitas limitações — têm, apesar de tudo, solução (além das partes ginecológicas, claro, essas teremos de aguentar).
Quando nos queixamos, não nos devemos esquecer que nós, as mulheres que vivemos no Ocidente, podemos queixar-nos.
Dispomos das liberdades por que lutaram as nossas mães e avós.
Pode acontecer que não gostemos de falar em público,  mas podemos gritar, podemos tomar posição, podemos ser irritantes, mal-educadas e inconvenientes, podemos deixar maridos abusadores, podemos vestir o que nos apetece, podemos ajudar as outras mulheres a saírem de situações perigosas, podemos ser barulhentas e chatas, ou calmas e furtivas, no esforço, ao lado dos homens, para melhorarmos tudo para todos.

Nós, no Ocidente, podemos fazer todas essas coisas sem a ameaça de ostracismo, encarceramento ou morte."

Lucy Pepper

Sem comentários:

Enviar um comentário