Perguntaram-me, há dias, "de onde vinha?".
Achei graça à pergunta a que prometi responder.
Não logo. Porque venho de muitos mundos, que preciso enumerar.
Venho do ventre materno. De um ventre que foi só meu durante nove longos meses.
Venho da minha mãe, da sua carne, do seu instinto, do seu desejo.
E do meu pai também. Apesar de o ter visto muito pouco ao longo da vida.
Venho dos pais dos meus pais, os meus avós.
Sobretudo maternos, com quem cresci.
Venho do Norte de Portugal, de onde eles eram naturais.
Venho dos tios e dos primos com quem brinquei em criança e me ensinaram a rir.
Venho da casa dos amigos, onde passei noites e dias.
Venho daqui e dali, onde o coração me leva, e que eu gosto tanto de me deixar levar sozinha.
Venho dos amores que tive, dos afectos que dei e recebi.
Venho do Cosmos, do Universo, a minha verdadeira casa.
Venho, enfim, de Ti que me deste, com amor, a vida que não pedi!
"Talvez porque me julguem mais sadia ou mais forte - sabe-se lá o que os outros pensam de nós - a verdade é que muitos me procuram e desabafam as suas mágoas. E ultimamente, várias pessoas conhecidas têm passado por desilusões, doenças, fracassos e perdas e têm vindo ter comigo para conversar.É uma prova de confiança que me dão, mas à qual só posso responder com a minha experiência pessoal.
Julgo conhecer-me um pouco melhor agora do que antes, mas o sofrimento é, sempre, um domínio profundamente solitário.
Diria mesmo que é a área mais solitária da nossa vida.
Partilha-lo é, para alguns, uma catarse absolutamente indispensável.
Para outros, ao contrário, é algo de impensável, se a dor for muito profunda.
Chorar talvez seja para esta última categoria, a solução possível.
Só que não chora quem quer, mas sim quem pode.
E, sei-o, nem sempre é fácil, nem sempre é possível.
Porém, há algo que todos podemos fazer.
É rodear de carinho, de interesse pessoal, de solidariedade, todos aqueles que estão em sofrimento.
E não deixar para amanhã um telefonema, um mail, uma visita, enfim, até um pensamento positivo.
O sofrimento dos outros pode ser, também, um dia, o nosso..."
Helena Sacadura Cabral
Quando se perde tudo na vida, por várias vezes, e se tem de recomeçar do zero sozinha por várias vezes, nada do que depois possa acontecer-nos tem grande importância.
Este pode vir da meditação, da contemplação ou até do desejo pontual de vazio.
Eles são cada vez mais uma necessidade do ser humano para quem o espiritual não está necessariamente ligado a uma prática religiosa.
Se a meditação me tem acompanhado, com mais ou menos intensidade, ao longo da vida, a contemplação foi uma descoberta recente, de há uma meia dúzia de anos.
Dito de outra forma, ela existia em mim há muito tempo, mas a descoberta da sua real importância só aconteceu muito depois.
Anos de solidão, a viver sozinha, com a família do lado de lá do oceano, haviam-me ensinado a "olhar" para o mundo que me rodeava de forma mais atenta.
Mas não me educaram para o mais importante - que vem muito bem sintetizado na frase de Tolentino de Mendonça -, e que é uma outra forma de conhecimento, despojado, de nós próprios e do mundo que nos cerca.
"A contemplação não é uma sabedoria onde nos instalamos:
é antes uma forma de exposição desarmada do olhar,
uma colocação sem reservas,
uma aprendizagem sempre a ser refeita,
um despojamento dos porquês".
Quanto mais cresço - e todos continuamos a crescer até morrer - mais consciência tenho de que precisamos ter, no caos do dia a dia, como contra ponto dos momentos reflexivos, uns instantes de pura contemplação porque, sem eles, a vida torna-se algo muito pouco suportável.
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