quarta-feira, 2 de outubro de 2013
O mau da fita
Ontem à noite, estava com a neura e fui ver um filme...
E como em todos os filmes, tinha o vilão, o mau da fita...
O que me fez pensar...
Na nossa vida, no filme da nossa vida, também é assim...temos os bons da fita e...os maus da fita!
"Há sempre um mau da fita nos filmes que inventamos.
Ao contrário do galã, que nos leva ao paraíso, o mau da fita é o que nos atira para o inferno e nos faz a vida negra.
Duro de roer, insensível, cheio de vícios, incarna sempre a nossa sombra.
Mas, até que o saibamos ver, e desmontar, ele servirá, na perfeição, como um bode expiatório.
É dele a culpa de nos sentirmos mal amados, é dele a responsabilidade de chorarmos pelos cantos, é dele a incapacidade de não ver como é cruel, é dele a falha de não ser iluminado.
No último filme de amor, o mau da minha fita era promíscuo.
O mau da minha fita era desequilibrado.
O mau da minha fita era cruel.
O mau da minha fita era o culpado por toda a minha tristeza.
O mau da minha fita era um traidor.
O mau da minha fita era mal agradecido.
O mau da minha fita era 'doente' e eu... era a 'saudável'.
A boazinha. A querida linda e esforçada por salvá-lo. A sempre boa rapariga, que jurava entregar a sua causa ao serviço do amor. Que se queixava por dar tanto e receber, afinal, tão pouco em troca. A que dormia com a esperança de que um dia o mau da fita se tocasse e se transformasse em bom e que a acordasse com um beijo e a levasse ao paraíso.
Espelho meu, espelho meu, quanto do que vejo em ti é meu?
Demoramos a acordar.
E, no entanto, aquilo que eu vejo em ti é o que eu tenho.
A promiscuidade é minha e, neste caso, a sombra não está no sexo, está na língua, que se enfia nos ouvidos de terceiros a falar de intimidades, que nem sequer são só minhas.
O desequilíbrio é meu, tão balalão, tão balalança, agora sim, agora não, assim não quero, assim está bem.
a crueldade é simplesmente amar-me pouco, quando podia amar-me tanto e, a haver culpa, ela é provavelmente humana, essa culpa que nos torna, a todos nós, reféns do amor dos outros.
A traição, afinal, não é mais do que trocar-me, deixando que o mau da fita ocupe todo um primeiro plano, enquanto eu fico - coitadinha! - a carpir nos bastidores.
E, sim, sou muito mal agradecida de cada vez que não vejo que a descida a este abismo e o encontro com a sombra é uma benção, um sinal para que acorde!
Que padeço da mesmíssima 'doença' de todos os comuns mortais, crónica e cheia de recaídas, e que a cura é perdoar-me, senão de uma só vez, a pouco e pouco.
Perdoar a má da fita, pelos seus filmes e dramas.
"quando não me amo, eu doo".
E reparo que não me doo, não me doo no instante em que sou boa e pego na má ao colo - em vez de a querer castigar por ser tão irresponsável, tão promíscua, tão 'doente', ou em vez de a querer esconder num quarto escuro, cheia de medo de que possam descobri-la, acusá-la, condená-la.
Não me doo no instante em que me amo.
Não me doo quando perdoo.
E assim acaba o filme.
E fica só o amor."
Inês de Barros Baptista
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