segunda-feira, 6 de novembro de 2017

RUDOLF STEINER





Para o artista, todo o lado externo de sua obra tem de expressar o interior; no caso dos objetos da natureza o interior não coincide com a forma externa, e o génio humano tem de investigá-lo para chegar à sua cognição. E assim as leis que o artista segue não são outras senão as leis eternas da natureza, no entanto puras e não influenciadas por qualquer obstrução. Para as criações da arte não importa o que é, e sim o que poderia ser, não o real, e sim o possível.
(...)
As grandes obras de arte têm um efeito tão imenso por estarem profundamente relacionadas com o sentido da ordem universal. Em tempos antigos, sem que o soubessem, os artistas estavam vinculados ao sentido da ordem universal por meio de uma consciência abafada. Mas a arte se extinguiria, não teria continuidade, se no futuro a ciência espiritual, como conhecimento dessas coisas [da ordem universal], não lhe desse um novo fundamento.
A arte subconsciente tem seu passado e com esse passado chegou a um término. A arte que se deixa inspirar pela ciência espiritual está no começo, no ponto de partida. É a arte do futuro. Assim como é certo que o artista antigo não necessitava conhecer o que existe como fundamento nas obras de arte, também é certo que o artista futuro tem de sabê-lo, mas com as forças que representam novamente um aspecto do infinito, do conteúdo total da alma.



O amor sensorial é a origem do criativo, daquilo que está nascendo. Sem o amor sensorial, nada mais existiria de sensorial no mundo; sem o amor espiritual, nada mais haveria de espiritual na evolução. Quando praticamos o amor, quando o cultivamos, derramam-se no mundo forças germinativas, forças criadoras. Devemos fundamentar isso com a razão. As forças criadoras tiveram de derramar-se também no mundo antes de nós e de nossa razão. Certamente, sendo egoístas, podemos eliminar do futuro as forças criadoras, mas não podemos apagar os atos de amor e as forças criadoras do passado. Aos atos de amor do passado devemos nossa existência. Assim como somos fortes devido a esse fato, também estamos fortemente endividados com o passado, e tudo o que conseguimos alguma vez produzir em amor será pagamento de dívidas por nossa existência. Podemos, então, compreender os atos de uma pessoa altamente desenvolvida, pois ela tem dívidas maiores para com o passado. É uma atitude sábia pagar as dívidas por meio de atos de amor. O impulso para o amor cresce com o evoluir de uma pessoa: somente a sabedoria não é suficiente para tal. Imaginemos da seguinte forma o significado do amor no atuar do mundo: o amor é algo que sempre aponta para dívidas existenciais do passado, e como do pagamento de dívidas nada sobra para o futuro, nós mesmos nada possuímos de nossos atos de amor. Devemos deixar nossos atos de amor no mundo, os quais ficam, então, inscritos no suceder cósmico espiritual. Nós não nos aperfeiçoamos por meio de nossos atos de amor, mas por meio de outros atos; o mundo, entretanto, torna-se mais rico mediante nossos atos de amor -- pois o amor é o elemento criador do mundo.


Com o egoísmo entrou o mal no mundo. Isso teve que ocorrer, pois o bem não pode ser compreendido sem o mal. Por meio dos triunfos do ser humano sobre si mesmo, o mal proporciona a possibilidade para o desabrochar do amor. [...]
Mas o futuro da humanidade consistirá ainda em outra coisa além do amor. O aperfeiçoamento espiritual será, para o ser humano terrestre, a meta mais valiosa. [...] O aperfeiçoamento é algo por meio do qual queremos fortificar e estimular nosso ser, nossa personalidade. Mas devemos ver nosso valor para o mundo somente nos atos de amor, não nos atos de autoaperfeiçoamento. Quanto a isso, não podemos entregar-nos a nenhuma ilusão. [...] da sabedoria que alguém coloca a serviço do mundo, terá valor somente a porção que esteja impregnada de amor.
A sabedoria que está submersa no amor, que impulsiona o mundo [...] exclui a mentira. Pois a mentira opõe-se aos fatos, e quem se coloca com amor dentro dos fatos não conhece a mentira. A mentira provém do egoísmo, sem exceção. Quando, por meio do amor, encontramos o caminho para a sabedoria, então penetramos, por meio da força crescente da superação, por meio do amor sem egoísmo, também na sabedoria. Com isso, o ser humano torna-se uma personalidade livre. O mal era o subterrâneo em que penetrou a luz do amor; é ela que torna reconhecível o sentido do mal, a posição do mal no mundo. A luz tornou-se reconhecível devido às trevas.



O que se pode chamar de “cultura da volição”é justamente algo de grande importância. Já frisamos antes que, muitas vezes, o nervosismo se manifesta no fenómeno de as pessoas de hoje em dia não saberem muito bem o que fazer para realizar o que querem de verdade ou o que deveriam querer. Elas recuam diante da execução daquilo a que se propuseram, não conseguem realizar nada de valor e assim por diante. Esse fenómeno [é] diagnosticável como uma certa fraqueza de vontade. [...] esse tipo de fraqueza de vontade [...] leva as pessoas, a bem dizer, por um lado a querer alguma coisa porém, por outro, não o querer ou ao menos a não conseguir realmente executar o que querem [...]. Algumas pessoas nem sequer atingem o estágio de querer seriamente o que desejam querer. Ora, existe um modo muito simples de fortalecer a vontade para a vida externa: suprimir desejos que, sem dúvida, sempre estão presentes; não executá-los, se isso não causar dano algum. Se perscrutarmos nós mesmos, o dia inteiro teremos a oportunidade de encontrar inúmeros desejos cuja realização – embora fosse muito agradável serem satisfeitos –, podemos entretanto prescindir sem que isso cause danos a outras pessoas ou faltemos a nossos deveres. São desejos cuja satisfação nos causaria alegria, mas que poderiam também ficar ser realização. Se há empenho, de certo modo sistemático, em achar dentre muitos desejos aqueles dos quais se possa dizer “Não, esse desejo não precisa ser satisfeito agora” [...] e suprimindo-os de forma sistemática, cada não realização representa uma afluência de força de vontade [...]. Executando esse procedimento mesmo em idade mais avançada, podemos reparar muita coisa que foi descuidada pela educação moderna.



Nossa vida é um contínua pendular entre o compartilhar o acontecimento geral do mundo e nosso existir individual. Quanto mais nós nos elevamos na natureza geral do pensar, onde o aspecto individual nos interessa, em última instância, somente como exemplo, como exemplar do conceito, tanto mais perde-se em nós o caráter do ser particular, da personalidade única bem definida. Quanto mais nós descemos nas profundezas da própria vida e deixamos nossos sentimentos ressoarem com a experiência do mundo exterior, tanto mais nos separamos da existência universal. Uma verdadeira individualidade será aquela pessoa, que atinge o ponto mais elevado da região das idéias com seus sentimentos. [...]
Uma vida de sentimentos totalmente desprovida de pensamentos deveria perder gradualmente toda a relação com o mundo. Na pessoa orientada para a totalidade, o conhecimento das coisas caminhará lado a lado com a formação e desenvolvimento da vida dos sentimentos.
O sentimento é o meio, pelo qual os conceitos inicialmente obtêm vida concreta.




No conhecimento normal, como sujeitos do conhecimento, estamos conscientes de nosso pensar, de nossas vivências anímicas, por meio das quais conquistamos o conhecimento. [...] Procuramos os objetos, na medida em que observamos a natureza, a vida humana, na medida em que experimentamos algo. [...] Nós somos o sujeito, e o que nos confronta são os objetos.
Na pessoa que procura o conhecimento iniciático, ocorre uma orientação completamente diferente. Ela deve perceber que, como ser humano, ela é objeto e precisa procurar o sujeito pertinente a esse objeto. De modo que algo totalmente contrário deve ocorrer. [...] Enquanto nós focamos justamente o pensar, se posso expressar-me de maneira algo paradoxal, eu gostaria de dizer: no conhecimento normal nós pensamos sobre as coisas. No conhecimento da iniciação devemos procurar como somos pensados no cosmos.



Quando se diz que os pensamentos são pálidos, não se deve concluir que, para viver como ser humano, não se necessitam de pensamentos. Contudo, os pensamentos não deveriam ser tão fracos, a ponto de permanecerem na cabeça. Eles deveriam ser tão fortes, a ponto de fluir para baixo através do coração e de todo o ser humano, até os pés; pois é realmente melhor se, em lugar de simples glóbulos brancos e vermelhos, também pensamentos pulsarem no nosso sangue. É certamente valioso se o ser humano tem também um coração e não somente pensamentos. Mas o mais valioso ocorre, porém, quando os pensamentos possuem um coração. No entanto, nós perdemos isso totalmente. Não podemos mais descartar os pensamentos que foram trazidos nos últimos quatro a cinco séculos, mas esses pensamentos também devem receber um coração.




Toda cognição que tu aspiras com o único fito de enriquecer teus conhecimentos pessoais, apenas para acumular tesouros em ti, desviar-te-á do teu caminho; toda cognição, porém, que procuras para tornar-te mais maduro no caminho do enobrecimento humano e da evolução cósmica far-te-á avançar um passo.



Sim, quem observa o mundo sem preconceito, sabe: com direcionamentos e com pontos de vista acontece que eles são precisamente isso: pontos de vista. Se eu tiver aqui uma árvore e a fotografo, dou aos senhores um retrato. O retrato é certamente formado daqui; o retrato tem uma aparência daqui, outra de lá, e os senhores poderiam dizer, se julgassem apenas a partir desse retrato: não se trata da mesma árvore. Assim há no mundo pontos de vista, concepções de mundo. Eles são sempre concebidos de um lado. Somente não se tornará um fanático, mas adequa-se à pluralidade, numa necessária universalidade, aquele que sabe que se deve observar as coisas dos lados mais diversos.



O raciocínio puramente intelectual e materialista compraz-se em acreditar que não se pode penetrar no âmago das coisas, senão por meio de conceitos abstratos; dificilmente admitirá que, para esse fim, as outras forças anímicas são pelo menos tão necessárias quanto o intelecto. Não se trata apenas de uma metáfora quando afirmamos poder-se compreender algo tanto com o sentimento e com as emoções, como por meio do intelecto. Os conceitos são apenas um dentre vários meios que conduzem à compreensão das coisas deste mundo. E apenas à mentalidade materialista parecem ser os únicos existentes. Existem naturalmente muitas pessoas que não se julgam materialistas, e que mesmo assim consideram conceituação racional a única espécie possível de compreensão. Tais indivíduos podem professar cosmovisões idealistas ou até espiritualistas, mas no fundo da alma sua atitude é materialista, já que o intelecto não deixa de ser o instrumento para compreender o material.



Para toda pessoa dotada da faculdade de observar o pensar (e, com boa vontade, pode possuí-la todo homem normal), esta observação é a mais importante que pode fazer – pois ela observa algo cujo surgimento ela mesma provoca; ao observar seu próprio pensar, o observador não se situa frente a um objeto estranho, mas frente à sua própria atividade. Sabe como se produz o que observa e pode perscrutar suas relações e conexões. Alcança então um firme ponto de apoio, a partir do qual pode procurar, com fundadas esperanças, a explicação para os demais fenómenos do mundo.
O sentimento relativo à posse deste firme ponto de apoio foi o que moveu Descartes, fundador da filosofia moderna, a fundamentar todo o saber humano na célebre frase: Penso, logo existo. Todos os demais objetos, todos os demais acontecimentos, têm uma existência independente de mim; não sei se como verdade ou como ilusão ou sonho. A única coisa sei que sei existir com absoluta certeza, já que sou eu mesmo que o traz à sua indubitável existência, é o meu pensar.




Nosso pensar nos une com o mundo; nosso sentir nos conduz a nós próprios, fazendo de nós um indivíduo. Se fôssemos simplesmente seres pensantes e dotados de percepção, toda a nossa vida transcorreria numa indiferença total. Se apenas nos reconhecêssemos como nós mesmos, nós nos seríamos completamente indiferentes. Apenas porque, com o autoconhecimento, temos a sensação do sentimento de nós mesmos, e com a percepção das coisas temos a sensação de prazer e dor, vivemos como seres individuais, cuja existência não se esgota com a relação conceitual, na qual eles se encontram em relação ao resto do mundo, mas que possuem ainda um valor especial para si mesmos.



Nossa vida é uma contínua oscilação entre a nossa participação no processo universal e nossa existência individual. Quanto mais longe ascendemos à natureza universal do pensar, onde o individual só nos interessa como um exemplo, como uma amostra do conceito, tanto mais se perde em nós o caráter do ser particular, da personalidade única bem determinada. Quanto mais longe nos aprofundamos em nossa própria vida, e permitimos que nossos sentimentos vibrem em uníssono com as experiências do mundo exteriror, tanto mais nos afastamos da existência universal. Uma individualidade no verdadeiro sentido da palavra torna-se aquela que com seus sentimentos se eleva o mais alto possível na região das ideias [ideativa]. Existem pessoas nas quais até as ideias mais gerais, que se fixam em suas cabeças, possuem aquele matiz peculiar que mostra de modo inequívoco sua conexão com quem as expõe. Existem outras, por outro lado, cujos conceitos vêm a nos sem qualquer vestígio de individualidade, como se não procedessem de um ser humano de carne e osso.
[...] Uma vida de sentimentos totalmente desprovida de pensar perderia gradulamente toda conexão com o mundo. Toda pessoa que preza uma vivência total procurará, junto com o conhecimento das coisas, o cultivo e o desenvolvimento da vida dos sentimentos.
O sentimento é o meio pelo qual os conceitos adquirem uma vida concreta.



Se cada pessoa age por si, cria-se desarmonia. Se, em nosso campo, os indivíduos que atuam a partir de algo não caminham juntos, não se encontram, não surge Antroposofia dentro da humanidade. Antroposofia exige, como um fato, uma real fraternidade humana até as profundezas da alma. Caso contrário, pode-se dizer: um mandamento é a realidade. Na Antroposofia deve-se dizer: ela só cresce com base na fraternidade; ela não pode mesmo crescer de outra forma, a partir de sua natureza, senão da fraternidade, onde o indivíduo dá ao outro o que ele tem e o que pode.



Como decifrar o enigma que cada pessoa nos apresenta? Nós o decifraremos defrontando-nos com essa pessoa de modo a estabelecermos harmonia entre nós e ela. É imbuindo-nos assim, com sabedoria de vida, que poderemos decifrar o principal enigma da existência, ou seja, cada ser humano em particular. Não é desfiando ideias e conceitos abstratos que o decifraremos. [...] O que devemos fazer é colocar-nos diante de cada pessoa em particular, manifestando-lhe compreensão imediata.



Os mais arraigados preconceitos são referentes ao sexo. O homem vê na mulher e a mulher no homem, quase sempre, demais do caráter genérico do sexo e muito pouco da individualidade. Na vida prática, isso prejudica menos os homens que as mulheres. A posição social da mulher é geralmente tão indigna, porque depende demais de preconceitos referente às pretensas tarefas e necessidades naturais da mulher e muito pouco do caráter individual. As atividades do homem baseiam-se em suas faculdades e inclinações individuais, as da mulher devem ser exclusivamente julgadas pelo fato de ela ser mulher. A mulher deve ser, segundo essa visão, escrava do caráter genérico, ou do feminino em geral. Enquanto os homens continuarem debatendo se a mulher serve ou não, em função de sua disposição natural, para esta ou aquela profissão, o problema de igualdade da mulher não vai progredir. O que a mulher pode querer de acordo com a sua disposição natural, tem que ser decidido por ela. Se fosse verdade que as mulheres só servem para as profissões atualmente exercidas por elas, então dificilmente conseguiriam exercer outras por força própria. Porém elas devem decidir livremente o que lhes convém, segundo a sua natureza. Quem teme o abalo da ordem social em virtude de se atribuir à mulher direitos individuais, não entende que uma ordem social na qual a metade leva uma vida indigna precisa, sim, e muito, de melhoramentos.



Permitam-me dizer algo bastante herético: adora-se dar bonecas na mão das crianças, especialmente bonecas “lindas”. Não se nota que as crianças em realidade não querem isso. Elas as rejeitam, mas elas são impingidas. Lindas bonecas, pintadas! Muito melhor é dar às crianças um lenço ou, quando é pena estragar um, dar outra coisa; ajeita-se [um pano] faz-se aqui uma cabeça, pinta-se um nariz, dois olhos etc., e com isso crianças sadias brincam com muito mais gosto de que com bonecas “lindas”, pois a boneca configurada o mais bonito possível, até com bochechas vermelhas, não deixa sobrar nada para a fantasia. A criança resseca interiormente com a boneca linda.



O julgamento moral não deve ser inoculado na criança. Deve-se prepará-lo de tal modo que, quando a criança, com a maturidade sexual, desperta para a força completa do julgamento, consegue, pela observação da vida, formar por si própria o julgamento moral. A pior forma de atingi-lo é transmitir à criança uma ordem pronta. Atinge-se-o, no entanto, quando se atua por meio de um exemplo ou colocam-se exemplos diante dela. Deve-se dar à criança imagens para o bem por meio de narrativas de pessoas que foram ou são boas, ou por elaboração de pessoas boas adequada à fantasia. [...] Não se apela ao intelecto, mas à simpatia para com o bem e à antipatia para com o mal que, sob forma de imagem surgem diante da alma da criança. Assim a alma é preparada de tal maneira que, posteriormente, o julgamento pelo sentimento possa amadurecer na idade correta como julgamento intelectual. Não se trata de transmitir o “você deve”, porém de despertar um julgamento estético na criança, de modo que o bem lhe agrade, tenha simpatia para com ele, e tenha desagrado, antipatia, para com o mal, quando seu sentir é defrontado com fatos morais.



O ser humano pertence ao universo todo num sentido muito mais amplo do que normalmente se supõe, pois ele é uma parte de todo o universo e, sem este último, em realidade ele não é nada. Muitas vezes usei a comparação com uma parte qualquer que integra o ser humano, por exemplo um dedo; o dedo é dedo enquanto pertencer ao organismo humano. No momento em que é separado do organismo humano ele deixa de ser um dedo. Exteriormente, fisicamente, ele continua sendo o mesmo dedo, mas ele deixa de ser um dedo [o dedo original] quando está separado do organismo humano. Do mesmo modo, o ser humano realmente deixa de ser ser humano quando é separado da existência cósmica geral. Ele pertence a essa existência, e sem a mesma não pode ser encarado, não pode ser compreendido realmente como ser humano.



Hoje em dia tudo deixa a humanidade impassível. Os fatos mais importantes, de mais alcance e mais incisivos, são vistos como mera sensação. Não têm efeito suficiente para abalar as pessoas. Assim, por melhores democracias e parlamentos que as pessoas tenham, quando elas se reúnem nos parlamentos o destino da humanidade não se faz presente, pois a maioria das pessoas que foram eleitas, para lá atuarem, não estão imbuídas dos desígnios da humanidade.



Toda religiosidade livre, que se desenvolverá no futuro no âmbito da humanidade, basear-se-á no fato de que realmente na prática direta da vida, e não simplesmente em teoria, em cada ser humano será reconhecida a imagem da divindade. Então não poderá haver, e não será necessária, nenhuma imposição religiosa, pois o encontro de cada ser humano com outro será de antemão um ato religioso, um sacramento. E ninguém terá necessidade de manter a vida religiosa por meio de uma determinada igreja, que tem instituições exteriores no plano físico.



Se é permitido expressar-se de maneira algo paradoxal, o ser humano ama hoje em seus conceitos aquilo que é confortável. Acontece que esse pendor para um conceito rígido, para um conceito que pode ser captado em contornos nítidos, só pode ser aplicado para o que é morto, para o que não se move, deixando, assim, o conceito rígido. Mas ocorre que esse viver com conceitos rígidos, que não se preocupam mais com algo exteriormente vivo, mesmo assim deu aos seres humanos a possibilidade de conquistar interiormente a consciência da liberdade, como já abordei frequentemente.
Devido ao fato de o ser humano ter se tornado totalmente morto em seus conceitos, surgiram duas vertentes: de um lado, a consciência da liberdade, de outro, a possibilidade de aplicar na grandiosa e triunfante técnica os conceitos rígidos que são retirados do que é morto e que só podem ser usados no que é morto. Essa técnica está condenada a ser uma concretização do sistema de ideias rígidas.
Esse é um lado do desenvolvimento pelo qual passou a humanidade mais recente. Deve-se igualmente compreender como o ser humano desvencilhou-se, por assim dizer, do que é vivo, como o que é vivo tornou-se estranho para ele, mas deve-se também entender o seguinte: quando o ser humano tiver de defrontar-se com o que é morto, se não quiser permanecer no âmbito do que é morto mas sentir em seu íntimo o impulso para assimilar o que é vivo, ele terá que encontrar o que é vivo a partir de sua própria força.



As pessoas tornam-se ou céticas ou místicas. As céticas sentem-se como mentes argutas, que podem duvidar de tudo; as místicas sentem-se como se estivessem permeadas pela divindade, abarcando tudo em seu interior com amor, conhecimento. [...] Pois aquilo que a humanidade deve almejar é o estado de equilíbrio: vivência mística no ceticismo, ceticismo na vivência mística. Não importa ser Montaigne ou [Santo] Agostinho, mas importa que o que é Montaigne seja iluminado pelo que é Agostinho, e o que é Agostinho seja iluminado pelo que é Montaigne. As unilateralidades levam o ser humano para uma ou outra corrente.



O trágico de nossa época orientada pelo materialismo é que, do ponto de vista exterior, ela descobre muitos fatos físicos, mas não obtém o seu relacionamento, que está no espiritual. O conhecimento dessa época dirige todos os olhares para o físico; porém, falta-lhe o conhecimento do significado do físico, do material. Precisamente o significado do material não pode ser compreendido pela ciência orientada pelo materialismo. A pesquisa do material sem um senso para o espiritual, que ilumina o material, é como ficar tateando em um quarto escuro. A ciência do espiritual mostrará, em tudo, precisamente a atuação do espírito no físico. Quando se trabalha nessa direção, não se idolatra um sonho místico como sendo o espírito, porém seguir-se-á o espírito em todas as atividades do mundo material. Pois somente se cultiva um conhecimento verdadeiro, quando se reconhece o espírito como o que cria a matéria em toda parte; não quando, como místico, se adora um espírito abstrato entronado no mundo da fantasia, e de resto se vê tudo o que é material inserido numa existência universal sem espírito.




Não se deve pensar “misticamente” sobre a meditação, mas também não se deve pensar levianamente sobre ela. A meditação deve ser algo totalmente claro no sentido atual. Porém, ao mesmo tempo, ela é algo que exige paciência e energia anímica interior. Antes de tudo, ainda lhe é pertinente algo que ninguém pode dar a outra pessoa: prometer-se algo a si mesmo e depois mantê-lo. Quando o ser humano começa a fazer meditações, ele realiza por seu intermédio o único ato realmente livre nesta vida humana. Sempre temos em nós a tendência para a liberdade, e já concretizamos uma boa parte dela. Mas quando refletimos sobre isso, encontramos o seguinte: de um lado somos dependentes de nossa hereditariedade, de outro, de nossa educação, ainda de outro de nossa vida. [...] Quando, no entanto, tomamos a decisão de fazer uma meditação à noite e de manhã, para que aos poucos aprendamos a observar o mundo suprassensível, também podemos deixar de fazê-lo cada dia. Nada o impede. [...] Nisso estamos totalmente livres. Esse meditar é uma ação arquetipicamente livre. Se pudermos, no entanto, permanecer fiéis, se prometemos a nós mesmos, e não a outrem, que permaneceremos fiéis a esse meditar, então o fato de conseguir simplesmente ficar fiel a si próprio significa uma enorme força na alma.



Podemos dizer que a meditação consiste apenas em experimentar o pensamento de maneira diferente da habitual. Hoje experimentamos o pensamento deixando que ele seja estimulado pelo exterior; abandonamo-nos à realidade exterior: podemos observar que quando olhamos, escutamos, tomamos alguma coisa nas mãos etc., experimentamos as impressões acolhidas do exterior transformarem-se em pensamentos. Assim, comportamo-nos passivamente na atividade do pensamento: abandonamo-nos ao mundo e os pensamentos vem a nós. Mas dessa forma não se chega a nada. Devemos começar a experimentar o próprio pensamento. Chegamos a essa experiência simplesmente tomando um pensamento de fácil compreensão e mantendo-o presente na consciência, concentrando totalmente a consciência sobre ele. [...] [É dado um exemplo:] A sabedoria vive na luz. Não importa que seja verdadeiro ou falso. Quando estendemos o braço para colocá-lo repetidamente em movimento, não entra em consideração se esse movimento tem importância universal ou se é uma brincadeira, mas é verdade que assim fortalecemos o braço. Fortalecemos o pensar quando nos esforçamos para repetir uma atividade de pensamento, independente de seu conteúdo. Se insistirmos no esforço anímico de mantê-lo presente na consciência e concentrarmos nele toda vida da alma, nós a fortalecemos da mesma forma como intensificamos a força muscular do braço, se continuarmos a exercitá-lo em uma mesma atividade.



RUDOLF STEINER
Filósofo, educador, artista e esotérico austríaco.
Foi fundador da Antroposofia, da Pedagogia Waldorf, da agricultura biodinâmica, da medicina antroposófica e da Euritimia.





2 comentários:

  1. Fantástico texto, e um grande estímulo a irmos à descoberta ou re_rescoberta de Rudolf Steiner

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  2. Publiquei sem grande esperança de alguém o ler, por ser muito longo...que bom saber que leu, e que lhe despertou curiosidade de procurar mais sobre o autor.
    Se estiver interessada na área da Educação, encontra bastante informação de grande interesse sobre a Escola Waldorf que ele fundou, também chamadas de Escolas Steinerianas, e estão presentes em mais de 60 países e são consideradas um dos maiores movimentos educacionais independentes do mundo.
    É surpreendente a sua visão em relação à Educação das crianças.
    Vou publicar agora mesmo um post apenas sobre a sua visão sobre a Educação, que tem bastante informação, e que procurei resumir, o que é bastante difícil...

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