domingo, 6 de agosto de 2017

o “ser animal” ... Jung





Jung, no livro "O homem e os seus símbolos", afirma:

"A imagem do animal simboliza a natureza primitiva e instintiva do homem.
O animal, que é no homem a sua psique instintiva, pode tornar-se perigoso, quando não é reconhecido e integrado na vida do indivíduo. A aceitação da alma animal é a condição da unificação do indivíduo, e da plenitude do seu desabrochamento.
Os animais que aparecem nos sonhos e nas artes, formam identificações parciais com os homens: são aspectos e imagens da sua natureza complexa, espelhos das suas pulsões profundas, dos seus instintos domesticados ou selvagens.
Cada animal corresponde a uma parte de nós próprios, integrada, ou a integrar.
Formas animais designam movimentos e experiências psíquicas, que surgem frequentemente nos sonhos e em outras manifestações do inconsciente.
Quanto mais primitivo o animal, mais profundo o extrato do inconsciente que ele representa.
Conteúdos das camadas mais profundas da psique tornam-se mais difíceis de assimilar, pois estão mais afastados da consciência comum.(Ex.: cavalo e cobra)
A maneira pela qual os animais nos aparecem nos sonhos e desenhos indica a nossa atitude em relação ao inconsciente.
Simbolismo associado a um animal baseia-se em seus atributos naturais; as associações do sonhador com o animal são relevantes.
Reconhecido e respeitado na vida do indivíduo, o “ser animal”, que é a sua psique instintiva, permite desenvolver uma relação com os padrões instintivos intimamente gravados presente nos seres humanos, podendo proporcionar criatividade, refletindo o significado e a sabedoria coletiva."




Os sonhos para Jung são a expressão natural e espontânea do inconsciente. 
É a psique a falar pelas imagens e o modo como o inconsciente se comunica com a consciência. Jung foi consultado sobre a suspeita de histeria, por uma paciente de 17 anos.
Transcrevo aqui o sonho que ela relatou:

“Não faz muito tempo sonhei que estou a chegar a casa. É noite. A porta que dá para o salão está entreaberta e vejo a minha mãe enforcada no lustre, seu corpo a balançar ao vento gelado que entra pelas janelas abertas. E depois também sonhei que havia um barulho terrível dentro de casa. Vou ver o que é, e vejo um cavalo espantado a correr feito doido pelo apartamento. Por fim ele encontra a porta do corredor e salta pela janela do corredor para a rua. O apartamento fica no 4º andar. Vi, horrorizada, o seu corpo estendido lá em baixo, todo espatifado.”(Carl Gustav Jung).

Esta será uma demonstração clássica de como Jung trabalha com os sonhos. 
Num primeiro momento, ele observa que “mãe” e “cavalo”, devem ser equivalentes, pois neste sonho os dois símbolos se comportam de forma similar; se suicidam. 
Vejamos as associações que Jung faz:


““Mãe”é um arquétipo que indica origem, natureza, o procriador passivo (logo, matéria, substância) e portanto a natureza material, o ventre (útero) e as funções vegetativas e por conseguinte também o inconsciente, o instinto e o natural, a coisa fisiológica, o corpo no qual habitamos ou somos contidos.
“Mãe”, enquanto vaso, continente oco (e também ventre), que gesta e nutre, exprime igualmente as bases da consciência. Ligado ao estar dentro ou contido, temos o escuro, o noturno, o angustioso (angusto=estreito). Com estes dados, estou reproduzindo uma parte essencial da versão mitológica e histórico-linguística do conceito de mãe, ou do conceito do YIN da filosofia chinesa. Não se trata de um conteúdo adquirido individualmente pela menina de 17 anos, mas de uma herança coletiva. Esta herança permanece viva na linguagem, por um lado, e, por outro, na estrutura da psique. Por esta razão é encontrada em todos os tempos e em todos os povos.”(Carl Gustav Jung)
A “mãe” do sonho, enquanto símbolo designa algo que no fundo se opõe obstinadamente à formulação conceitual, algo que se poderia definir vagamente e intuitivamente como a vida do corpo, oculta e natural. O inconsciente; a vida inconsciente se destrói a si mesma.(Carl Gusrav Jung).
““Cavalo”é um arquétipo amplamente presente na mitologia e no folclore. Enquanto animal, representa a psique não humana, o infra-humano, a parte animal e, por conseguinte, a parte psíquica inconsciente; por este motivo encontramos no folclore os cavalos clarividentes e “clariaudientes”, que às vezes até falam. Enquanto animais de carga, a sua relação com o arquétipo da mãe e das mais próximas (as valquírias que carregam o herói morto até Walhalla, o cavalo de Tróia, etc.) Enquanto inferiores ao homem representam o ventre e o mundo instintivo que dele ascende. O cavalo é “dynamis” e veículo, somos por ele levados como por um impulso, mas como os impulsos estão sujeito ao pânico, por lhe faltarem as qualidades superiores da consciência. Tem algo a ver com a magia, isto é, com a esfera do irracional, do mágico, principalmente os cavalos pretos (os cavalos da noite), que anunciam a morte.”(Carl Gustav Jung).
“Assim sendo, o “cavalo” é um equivalente de “mãe”, com uma ténue diferença na nuance do significado, sendo o de uma, vida originária e o de outra, a vida puramente animal e corporal. Esta expressão, aplicada ao contexto do sonho, leva à seguinte interpretação: A vida animal se destrói a si mesma.”(Carl Gustav Jung).
O nosso irracional, o inconsciente é a mãe do racional, a consciência. O sonho não está a falar da morte da sonhadora, ele está a indicar uma doença orgânica grave, com desfecho letal. O prognóstico acabou por ser confirmado.
De um modo geral, a figura do cavalo designa a força vital animal do homem, também, muito associada a “mãe”.”Como o cavalo é o animal de montaria e de trabalho do homem e este até mede a energia em ‘forças de cavalo”, o corcel significa uma quantidade de energia à disposição do homem. Ele representa assim a libido que penetrou no mundo”.(Carl Gustav Jung)".



Carl Gustav Jung
in, "O homem e os seus símbolos"






O Homem e os seus Símbolos, de Carl Gustav Jung
POR FELIPE PIMENTA


As ideias de Jung muito têm contribuído para o entendimento da alma nas suas manifestações. Os sonhos como expressão da psique, comunicando à consciência aspectos outros do si-mesmo, incitam à analise e à busca de compreensão dessas mensagens.

O animal num sonho pode estar personificando conteúdos instintivos; pode estar nos contando como nos relacionamos connosco mesmos; pode estar ensinando alguma coisa que escapa à consciência e só ele tem condições de alcançar e expressar nos sonhos, e pode estar se exibindo, inflando nossa subjetividade com sua beleza e energia.

Uma imagem não surge só de dentro para fora, o fenómeno também acontece de fora para dentro. Quando apreciada a imagem pode evocar a alma, quando manifestada é a alma quem fala. Devemos considerar que um não exclue o outro. O interno e o externo se movimentam sincronicamente, proporcionando um significado da existência.

Nossa consciência não pode captar todo esse movimento, então é tomada por afetos e humores. Mas, a possibilidade de olhar para essas imagens em forma de animais, e entender alguma coisa que escapa à conceituação racional, podendo inclusive fornecer subsídios para lidar com as dificuldades existenciais, já é interessante.

Vistas estas ideias, conclui-se que se a psique fala por imagens, se não há distinção entre natureza e imaginação, se os animais são parte integrante do mundo natural, então, é natural que eles sejam manifestados como expressão da psique. Eles podem ser vistos como a psique imaginando a si própria.

O Homem e seus Símbolos é um livro que reúne capítulos escritos por Jung e alguns de seus principais discípulos. Trata-se de uma obra que dedica-se ao estudo dos símbolos dos sonhos, da arte, dos mitos e do conceito junguiano da anima e do animus. 
O primeiro capítulo do livro foi escrito por Jung e é uma espécie de aula resumida de seu conceito de inconsciente para um público leigo.

Quem leu Arquétipos e o Inconsciente Coletivo vai ter uma melhor compreensão do que está exposto nessa obra. O papel e a importância do sonho já haviam sido enfatizados por Freud, mas Jung levou o estudo do sonho a um nível mais alto. Para ele, o sonho é sempre um despertar do inconsciente em que formas que não foram conscientes acabam por emergir. Freud dizia que essas imagens eram “resíduos arcaicos”, porém Jung rejeitava essa expressão. Para ele, essas imagens primitivas tinham muita importância uma vez que podiam ser observadas em todas as partes do mundo. Não eram “resíduos”, mas tinham conteúdos valiosos.
Jung não se surpreendeu quando via a reação de pacientes europeus e esclarecidos ficarem assustados com o aparecimento dessas formas primitivas enquanto que para um homem “primitivo” (com que ele conviveu na África) esse fenómeno era algo comum.

Para Jung, o sonho era “um sopro da natureza” que tinha uma função compensadora. A mente não é no pensamento junguiano uma “folha em branco”, mas sim um reservatório de imagens coletivas que o homem acumulou desde eras primitivas quando a psique do homem e do animal andavam juntas, conforme Jung escreve. 

De fundamental importância para compreendermos os sonhos é o estudo do conceito de arquétipo de Jung. Esses são modelos que se repetem com diferentes variações através dos tempos. O conceito de arquétipo foi tomado de Platão e das formas a priori de Kant. O psiquiatra suíço rejeita a classificação dos arquétipos como “representações herdadas” pois,para ele, se os arquétipos fossem criados ou adquiridos pela nossa mente, não haveria espanto quando eles se apresentassem. O arquétipo não tem origem conhecida.

Através da análise dos sonhos de alguns pacientes angustiados com essas imagens primitivas, Jung os tranquilizava mostrando a eles como seus sonhos nada mais eram que uma ocorrência no mundo atual de imagens arquetípicas de tempos imemoriais. Jung crê que os antigos espíritos que tomavam posse do homem primitivo ainda existem; essas forças do irracional ainda não estão sob o controle da consciência e o homem moderno não consegue controlá-las. Jung considera que o verdadeiro perigo está na presença de muitos elementos do consciente apresentarem-se como inconscientes. Isso se deve, segundo ele, ao fato desses elementos terem sido reprimidos.
Cabe ao psicólogo descobrir o que o paciente gosta ou teme, diz Jung.

As outras partes do livro foram escritas por alguns de seus discípulos conforme já mencionei. Acredito que de todos eles, a parte escrita por Marie Louise von Franz seja a mais importante, pois explica de maneira acessível o processo de individuação junguiano. 
Este famoso processo nada mais era do que integrar o inconsciente no consciente.
Para compreendermos esse processo no homem (que é um pouco diferente do da mulher) será preciso lermos sobre o conceito de anima.
A anima é a parte feminina na alma do homem.
Esta parte é a receptiva ao irracional e a capacidade de amar.
A anima é determinada pela mãe e tende a se expressar de acordo com o tratamento que o homem teve de sua progenitora, segundo Franz. Dessa forma, uma influência negativa pode deixá-lo  irritado e depressivo; se foi positiva, pode deixá-lo efeminado e submisso às mulheres. Segundo Franz, se o homem não cultiva sua anima, o resultado pode ser o vício em artigos eróticos e pela pornografia. 
Ela diz que a função do inconsciente nesse processo é desenvolver e amadurecer a personalidade.
A anima não tem somente um papel destrutivo, mas também um positivo. 
Ela age como a figura de Beatriz para Dante, segundo Franz, levando a mente a uma forma mais elevada e espiritual. 

O estudo de símbolos duradouros e das religiões era fundamental para Jung.
O homem precisa reconhecer a existência de imagens e motivos herdados de seus ancestrais para compreender o funcionamento de sua psique. Nem todas as formas e símbolos nos são dados pela experiência sensível.
Jung nos ensina a reconhecer e a lidar com o irracional que sobrevive na alma do homem através das eras.

O Homem e seus Símbolos não tem a profundidade de outros livros do autor.
Recomendo a leitura de Tipos Psicológicos e do já mencionado Arquétipos e o Inconsciente Coletivo para um maior aprofundamento da psicologia de Jung.






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