segunda-feira, 5 de junho de 2017

COMO EU NÃO POSSUO







Olho em volta de mim. Todos possuem-
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
e não possuo mesmo quando enlaço.
.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtase da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
.
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
.
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
- seria um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?




MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
in, POESIAS COMPLETAS
(Excerto)





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