quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A Iniciação


Adoratório Inca de Q'enqo, antigo Templo do Puma





- E o que tem de fazer uma mulher para ser iniciada? - perguntou Kantu.
- Tem de regressar ao útero da Pachamama e mergulhar no Oceano da Vida.
Aí deverá entrar em contacto com a própria intimidade e em harmonia com os elementos simpáticos: a Terra e a Água. Só assim o espírito poderá manifestar-se.
Terá de aprender a superar a dúvida, o temor, a dor, o medo, o desespero, o cansaço, o aborrecimento, a frustração, a desilusão.
Mediante tal prova, saberá se o seu corpo trabalha em harmonia com a sua mente quando se trata de identificar os perigos. Graças à preparação recebida, aprenderá a ver e a sentir na escuridão, a perceber se é o momento de ter paciência ou de agir e, assim que os seus sentidos a avisarem da existência de um perigo iminente, saberá enfrentá-lo recorrendo à sua prudência, à sua sabedoria, à sua calma e à sua serenidade.
E quando finalmente conseguir superar todo o tipo de perigo, então aprenderá a viajar no tempo e no espaço.
- É importante aprender a viajar no tempo e no espaço? - perguntou Kantu.
- É fundamental - respondeu Mama Maru.
Durante as noites que passa no Templo do Puma, a mulher aprende que o tempo e o espaço são uma coisa só, que é preciso conhecer e atravessar. Aprende a viajar para a frente e para trás no infinito, porque o tempo e o espaço são contíguos e não divisíveis e, deste modo, visita pequenos e grandes mundos distantes. Pode até, atravessar o espaço interior, penetrando na mente dos outros e, assim, antecipar os acontecimentos. Deste modo, enquanto uma pessoa comum dá os primeiros passos, a verdadeira mulher já está de regresso; era assim que os nossos antepassados viajavam no tempo e no espaço.
(...)
- Avó, se uma mulher supera as provas do Templo do Puma; torna-se uma Mulher de Poder?
- A iniciada que passou pelo Templo do Puma sai de lá mais sábia, mais sensível; possui as armas do saber, do poder, do querer, do fazer e do ousar. Aprendeu a agir e a ficar em silêncio. A mulher que se encontra a si mesma, apropria-se de um poder terrível; o poder de vida ou de morte que a mulher utilizará, não em seu benefício, mas em benefício dos outros.
(...)
Lembra-te de que para receber é preciso dar.
Se dás amor, receberás amor.
O homem, ao contrário da mulher, não pode compreender estas coisas, porque a sua mente e as suas vibrações espirituais não possuem  a sensibilidade necessária para as apreender; a mulher, pelo contrário, sabe que o amor é o fundamento em que se baseia a existência da sociedade.
- A mim já não me interessa depender de um homem, disse Kantu.
-  Não estou a falar da mulher que se agarra a um homem qualquer e que é escrava das suas paixões - retorquiu Mama Maru. Estou a falar da mulher que se dá a um homem que ela escolheu como companheiro, com o qual sente que pode trilhar o caminho do conhecimento.
A mulher é capaz de suportar os sacrifícios mais terríveis, porque sabe que é a base do Templo, a alavanca que ergue a terra, aquela que semeia as ideias no cérebro do homem, fazendo dele um ser positivo ou negativo. A salvação da humanidade está nas mãos da mulher que, assim que se tornar uma verdadeira mulher, pode encontrar-se com outras verdadeiras mulheres e todas juntas, unidas, poderão salvar a Terra.

Existe uma profecia segundo a qual a Terra, no início do Terceiro Milénio, sofrerá grandes mudanças climáticas que se irão repercutir na Saúde, na Economia, na Organização Social da Humanidade.
As Payakuna ( anciãs - mulheres sábias cheias de experiência) e os Machukuna ( anciãos - homens sábios cheios de experiência, considerados os depositários do saber da comunidade) transmitem, de geração em geração, que há-de chegar o momento em que o espírito feminino despertará de uma grande letargia que durou mais de cinco séculos para dar, por fim, origem a um mundo de paz e harmonia.
- E que pode fazer cada mulher para favorecer a concretização desta profecia?
- Enquanto no coração da mulher continuar a brilhar a luz do amor, o mundo estará a salvo, mas, se esse amor fraquejar, então o ódio e a indiferença propagar-se-ão, acabando por destruir o mundo.

A mulher é a Ponte que conduz à eternidade, é o sentido da Ordem Moral, Intelectual, Espiritual, é um Estado de Consciência.
Quando o homem cumprir a missão que tem na Terra, o Céu e a Terra ligar-se-ão para que ele se encontre com o Criador, e a mulher será a ponte que permitirá o acesso a tal união.
- Avó, queres com isso dizer que nós, as mulheres, é que temos de guiar os homens?
- É nossa tarefa ser suas mestras; a verdadeira mulher sempre foi mestra. O homem é um aluno difícil e caprichoso, mas a mulher, com ternura, simplicidade e paciência, saberá educá-lo e iluminá-lo.
Só assim a mulher poderá levar a cabo a sua missão.



Hernán Huarache Mamani
in, A Profecia da Curandeira









NOTAS:


1- Q'ENQO: É o Templo do Puma. 
Significa zig-zag, labirinto em Quechua, situa-se no Vale Sagrado do Perú, a 3kms de Cusco.
É uma das maiores Huacas (Sítios Sagrados) de Cusco.
Era um local de culto, rituais e sacrifícios. Ainda lá se encontram escadarias e altares onde eram celebrados os rituais.
Este era um Santuário que já existia antes da chegada dos Incas e a cuja utilização estes deram continuidade. No maciço rochoso encontram-se inúmeros canais, escadarias e cavidades, que estariam associados ao conjunto de ritos religiosos nos quais era usada a Chicha, uma bebida sagrada feita de milho e que hoje, de forma menos sagrada, se pode provar um pouco por todo o lado. Basta encontrar uma casa que tenha uma bandeira ou pano vermelho pendurado no exterior e bater à porta.
Era um Santuário Religioso para cerimónias do Culto da Fertilidade com uma área de 3.500 m2.

2- Muita coisa foi destruída pelos espanhóis, no entanto pode-se ver:
- A Sala dos Sacrifícios
Uma câmara subterrânea em que tudo está esculpido na pedra. Chão, tecto, paredes, mesas de culto, tudo esculpido numa gigantesca pedra subterrânea. No interior deste espaço encontra-se um grande altar sobre o qual se acredita que fossem feitos sacrifícios, tanto de humanos como de animais.
A prática de sacrifícios era comum durante o Império Inca, mas era sobretudo praticada com animais. Os sacrifícios humanos eram apenas realizados em situações mais extremas, quando os deuses precisavam de ser apaziguados, ou em ocasiões de grande importância, como no solstício ou no equinócio, e para os que se ofereciam ao sacrifício, isso constituía uma grande honra.
- Intiwatana e o Observatório Astronómico
Situa-se na parte superior, formado por enormes pedras cilindricas. As Intiwatanas, onde se amarrava o Sol, são até hoje um enigma. Pensa-se que era um Observatório Astronómico, que os Hamautás utilizavam para medir o Tempo, para marcar as Estações, determinar os Solstícios e os Equinócios, e também como Adoratório onde se prestava culto ao Sol, à Lua, a Vénus e às estrelas.
- Os Canais de Água
Em ziguezague, o Canal parte do Olho do Puma, e depois se bifurca e dá origem a vários canais. Conduziam a água para a Sala dos Sacrifícios. Também por estes canais eram conduzidos para a Sala dos Sacrifícios outros líquidos, como sangue dos animais sacrificados como oferenda para os Deuses, ou a Chicha, bebida sagrada.
- O Anfiteatro  
Situa-se no exterior, ao ar livre, uma área semicircular.
Este sítio foi um Templo para Cerimónias Públicas. 















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