Emoção ou sentimento?
Mental ou comportamental?
António Damásio explica a organização afetiva humana.
Emoção ou sentimento?
Coloquialmente, os termos acabam sendo utilizados como sinónimos, mas, na ciência, eles têm diferenças significativas que, uma vez observadas, podem ampliar nossa compreensão sobre o comportamento das pessoas – inclusive de nós mesmos.
O neurocientista português António Damásio falou sobre o tema à Revista Galileu.
O que é, em termos mais breves ou mais simples, para um público leigo, essa diferença básica entre emoção e sentimento? Emoção é uma coisa, uma reação mais rápida, mais instintiva ou o que diferencia as duas (emoção e sentimento)?
António Damásio: A emoção é um programa de ações, portanto, é uma coisa que se desenrola com ações sucessivas. É uma espécie de concerto de ações. Não tem nada a ver com o que se passa na mente.
É despoletada pela mente, mas acontece com ações que acontecem dentro do corpo, nos músculos, coração, pulmões, nas reações endócrinas. Sentimentos são, por definição, a experiência mental que nós temos do que se passa no corpo. É o mundo que se segue (à emoção). Mesmo que se dê muito rapidamente, em matéria de segundos, primeiro são ações e pode-se ver sem nenhum microscópio. Você pode me ver tendo uma emoção, não vê tudo, mas vê uma parte. Pode ver o que se passa na minha cara, a pele pode mudar, os movimentos que eu faço etc... enquanto o sentimento você não pode ver.
O sentimento eu tenho e você não sabe se eu tenho ou não tenho. E se você tiver um sentimento de profunda tristeza, mas se me quiser enganar, e quiser comportar-se como se estivesse alegre, vai me enganar mesmo, porque eu não posso saber o que está dentro da sua cabeça, posso adivinhar, mas é diferente.
Isso é uma diferença fundamental.
É a diferença entre aquilo que é mental e aquilo que é comportamental.
É uma reação inata, o sistema de reações é inato e desencadeado por um determinado processo, geralmente um processo intelectual, uma coisa que se percebe, se ouve, que se vê, etc e depois acontece dentro do corpo dessa forma complexa. Essa é a grande diferença. E como é evidente, é mais fácil perceber o que se passa objetivamente do que perceber uma coisa que se passa dentro da mente de outrem. Portanto, este é um aspeto de grande êxito para a neurociência, mas que ainda está em curso. Se você me entrevistar daqui 10 anos, vai ver incríveis desenvolvimentos, que vão acontecer neste espaço de tempo.
Outra coisa que também é muito importante e que começou a acontecer, tem a ver com a tomada de decisões e com o mundo da vida social, não da vida social no sentido barato do termo, mas da vida social em termos da organização da sociedade. E uma coisa, por exemplo, se você ler O Erro de Descartes, especialmente nas últimas páginas, há uma série de passagens em que eu aponto para isso. Em que eu digo, bem no fundo as coisas que estão a acontecer no hipotálamo e que estão a acontecer no Tronco cerebral, que estão a acontecer no Córtex cerebral, tem muito a ver com coisas que se passam no mundo social, como exemplo, a Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Estava a fazer a ponte entre aquilo que acontece no cérebro e aquilo que acontece na nossa vida em matéria de organização social. Porque, tal como hoje penso, e aparece também no meu ultimo livro, Self comes to mind (E o cérebro criou o homem) - nunca consigo lembrar o título, penso sempre no homem que criou o cérebro -, aquilo que eu aponto, também ali, é que, a nossa vida e a nossa organização social são um reflexo extraordinariamente importante da nossa organização básica afetiva.
A razão pela qual temos uma sociedade organizada da forma que temos, aquilo que acontece em matéria da criação da moralidade, justiça, economia, política, e mesmo termos mesmo das artes e humanidades, tudo isso tem uma influência extraordinariamente grande na vida dos afetos."
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