quarta-feira, 21 de setembro de 2016
A Armadilha da Realidade
Uma das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de «realidade».
Falo, é claro, da ideia de realidade que actua como a grande fiscalizadora do nosso pensamento.
O maior desafio é sermos capazes de não ficar aprisionados nesse recinto que uns chamam de «razão», outros de «bom-senso».
A realidade é uma construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Nós não temos sempre que a levar tão a sério.
Quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana ele respondeu:
«Eu desvalorizei as paredes.»
Essa lição se converteu num lema da minha conduta.
Ho Chi Minh ensinou a si próprio a ler para além dos muros da prisão.
Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato.
É ensinar a escolher entre sentidos visíveis e invisíveis.
E ensinar a pensar no sentido original da palavra «pensar» que significava «curar» ou «tratar» um ferimento.
Temos de repensar o mundo no sentido terapêutico de o salvar de doenças de que padece.
Uma das prescrições médicas é mantermos a habilidade da transcendência, recusando ficar pelo que é imediatamente perceptível.
Isso implica a aplicação de um medicamento chamado inquietação crítica.
Significa fazermos com a nossa vida quotidiana aquilo que estamos a fazer aqui, que é deixar entrar a luz da poesia na casa do pensamento.
Mia Couto
in, E Se Obama Fosse Africano?
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