quarta-feira, 13 de abril de 2016

...............................de volta aos clássicos




Estes últimos 7 dias, estive numa de leitura compulsiva...
Cansada de leitura existencialista...deu-me um apetite voraz de reler certos clássicos da literatura.
De vez em quando acontece-me...

Faz-me lembrar os apetites que me dão de ler banda desenhada, depois de ler um livro "pesado"...

Desta vez, não tinha o Dom Quixote à mão, o meu livro preferido...
Reli alguns contos do Oscar Wild, a Madame Bovary e o Salammbô do Flaubert, o Germinal de Émile Zola, os clássicos do Shakespeare ( Romeu e Julieta, Hamlet e Macbeth) e o Tom Jones do Fielding.

Estou de papinho cheio...

Os Contos do Oscar Wild, quando os tive na mão pela primeira vez já há muitos anos achei uma parvoíce...ainda não estava preparada para os ler. Fui tal e qual como o Rato de Água, no conto "O Amigo Dedicado"...
Mais tarde, quando já tinha lido outros livros do autor, tive curiosidade de os ler por serem do Oscar Wild. Os contos foram escritos para os seus filhos para lhes incutir valores morais mas, depois de começar a ler, ficamos a pensar nas coisas essenciais da vida...são todos escritos de uma forma simples mas genial, divertida, com um espírito crítico muito subtil, e uma ironia quase imperceptível.
As aparências iludem!!!!!!!!!!!!!!

O Salammbô, da primeira vez que o li não gostei muito por ser muito violento...Flaubert descreve as batalhas como se fosse um filme em câmara lenta...conseguimos ver as cabeças pelo ar, o sangue a jorrar...e a descrição é tão pormenorizada que nos faz sentir tudo o que se passa no livro de uma forma muito real...mas o livro, que poderia ser interessante pelo conhecimento da cultura do Médio Oriente e por ser um romance histórico, torna-se cansativo de ler por excesso de violência e agressividade na guerra entre os Bárbaros e Cartago.
Voltei a reler o livro agora, para ver se mudava de opinião mas, senti o mesmo...

Já a Madame Bovary, com a Ema Bovary, foi mais interessante, porque o autor consegue por-nos a sentir compaixão por uma mulher fútil, deslumbrada com a vida aristocrata de Paris, descontente e frustrada com a medíocre burguesia provinciana em que vive, insatisfeita com o seu casamento em parte porque idealiza um amor com o "príncipe encantado" que lê nos romances...o que a leva a ter dois amantes...é claro que a história só podia acabar em desgraça...

O  Germinal do Zola, tal como o Salammbô, é difícil de ler por ter uma descrição tão exaustiva da miséria levada ao extremo, na vida dos mineiros de carvão no interior de França no Séc XIX. A greve dos mineiros por melhores condições de vida e de trabalho, numa época marcada pelo liberalismo económico em que não existiam normas de protecção dos direitos dos trabalhadores. Era uma exploração desumana... A cena descrita pelo autor, já na fase final da greve, após 2 meses de fome em que já comiam o couro dos cintos, é inesquecível; os ânimos já estavam tão exaltados que as mulheres dos mineiros cortam o pénis ao merceeiro ( que fiava comida em troca de sexo com as filhas dessas mulheres), espetam o pénis na ponta de um pau e desfilam com o pau pela rua sentindo-se vitoriosas.
No meio de tanto degredo, tanta miséria, de viverem como animais, o autor ainda revela como nessa altura era natural as adolescentes terem relações sexuais sórdidas com tudo o que era homens e rapazes até engravidarem e casarem com o pai da criança...isto era aceite por todos, feito debaixo do nariz de todos, com a maior das naturalidades...
Quando as pessoas estão mal, ainda se põem pior... alcoolismo, sexo desmedido como coelhos, filhos em barda para trabalhar e ajudar a pagar as contas, violência, degradação humana...

Quanto aos outros livros, o Tom Jones e os clássicos do Shakespeare, são outro patamar...

O Tom Jones, 800 páginas certinhas de livro, tem algumas semelhanças com o Dom Quixote, apesar da loucura do Tom Jones ser muito modesta em relação à do Cavaleiro da Triste Figura...e o criado Partridge puxa um bocadinho ao Sancho Pança...as peripécias nas estalagens, nas estradas...
Tom Jones, tal como qualquer jovem inglês burguês rural daquela época, foi educado para caçar, cavalgar, fornicar e pouco mais. E quando vai para Londres recorre da única coisa que lhe permite sobreviver: ser sustentado por uma dama de meia-idade em troca dos seus encantos físicos...
Outra coisa que o livro nos faz reflectir é a questão das relações entre pais e filhos e a questão da igualdade de sexos. É fácil gostar da Sophia Western...pela sua coragem e força de carácter.
É um livro cheio de conteúdo... como por exemplo:
" ...esses padrões supremos de beleza por quem os homens anseiam, suspiram e se definham, e a quem lançam todas as redes que estão ao seu alcance; e que está constantemente colada aos calcanhares dessa outra categoria de mulheres por quem o sexo masculino mostra um distante e temeroso respeito, e a quem ( por não terem esperança, suponho eu, de qualquer êxito) nunca se atrevem a atacar."
E assim começa o livro...
O livro está recheado de parágrafos maravilhosos...
"...os homens que têm mau vinho são quando sóbrios uns rematados malandros; porque a bebida, na realidade, não muda a natureza nem cria nos homens paixões que neles não existam já. Faz baixar a guarda da razão e, por consequência, força-os a revelar esses sentimentos que muitos, quando sóbrios, têm a arte de ocultar. Exalta e inflama as paixões, especialmente as que predominam na mente, de tal modo que o temperamento colérico, amoroso, generoso, folgazão, avarento e todas as outras disposições dos homens são estimuladas e descobertas pelos copos. (...) A bebedeira revela a mentalidade de um homem, do mesmo modo que um espelho reflecte a sua imagem."
Ou na página 445...,
"...a palavra crítica deriva do grego e significa sentença. (...) ...onde muitas vezes se usa como condenação. (...) Se uma pessoa que vasculha no carácter dos outros, sem outra finalidade que não seja descobrir-lhe as faltas e dar-lhes publicidade, merece o epíteto de difamador da reputação dos homens...(...) a difamação é uma arma muito mais cruel do que a espada, visto que as feridas que causa são sempre incuráveis..."


Quanto a Shakespeare ( Romeu e Julieta, Hamlet e Macbeth)...é sempre tão bom reler!!
Nas três obras tudo muda; os costumes, a linguagem, os sítios onde decorrem, o carácter das personagens, as paixões.
Em Hamlet e Macbeth as paixões são internas, com sentimentos completamente diferentes, em que as suas paixões foram mais fortes do que as suas vontades. Em Romeu e Julieta já não foi nada assim; as paixões são todas exteriores, não há esforço nenhum para as ocultar.
Ainda em relação às paixões, no Romeu e Julieta, as suas vidas concentram-se apenas no amor; um sentimento único, que o experimentam pela primeira vez, sem passado que os influencie e os pese, sem remorsos, sem culpa, sem medos. Já Hamlet ama friamente Ofélia, porque anda atormentado com mil sentimentos contrários, perseguido pelo fantasma do pai a pedir-lhe vingança, retraído pelo respeito que deve à mãe que lhe pede piedade e respeito quando na verdade ele sente que a mãe traiu a memória do pai ao casar-se com o homem que o assassinou, inquieto pelos destinos dos da sua raça e pelo futuro do seu país. No coração de Hamlet não há espaço para o amor, o que leva Ofélia à loucura e ao suicídio. No caso de Macbeth, já é diferente; é casado com Lady Macbeth, uma mulher celta feroz, fria, ambiciosa, ama o marido com toda a lealdade de um coração bárbaro, uma loba feudal que de uma forma muito firme e sem hesitar( ao contrário do marido Macbeth) planeia assassinar o rei para que o marido o suceda. Aconselha-o, ampara-o, mas sem piedade e de uma forma muito fria, sem clemência, sem misericórdia e sem remorsos ( é o retrato de uma mulher sem coração, insensível, impiedosa. Quando se tira o coração e a sensibilidade à mulher, ela torna-se no pior que há a temer). Lembro-me também do caso da paixão do Otelo e da Desdémona; o sentimento de honra ultrajado, o ciúme, em que Otelo não chora apenas o amor que sonhou e perdeu, mas também a sua glória destruída, os seus triunfos desfeitos.
Romeu e Julieta representam o amor com simplicidade de carácter, numa idade muito jovem, um sentimento muito puro sem passado, o amor como pura metafísica. Já os outros, representam todas as outras formas de amor... 
De todas as peças, Hamlet é a mais complexa, a mais metafísica, em que a análise e a auto-análise predomina. É o personagem que nos desperta as emoções mais fortes, que nos desafia mais a reflectir. Hamlet desperta sentimentos simples, ao mesmo tempo que representa o sentimento da vingança; Otelo o ciúme; Romeu o amor; Macbeth a ambição; Rei Lear a ingratidão; Coriolano o orgulho...

Um génio, este Shakespeare!




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