sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Segundo Sexo



Acabei de ler o livro, "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir!
E o segundo livro começa assim:
“Ninguém nasce mulher; torna-se mulher”

No livro, Simone de Beauvoir evidenciou, pela primeira vez, que ser mulher não é algo naturalmente dado, mas uma construção social, histórica e cultural.
Como Simone de Beauvoir explica, foi exactamente assim – sem perceber, sem reflectir, sem observar, sem participar – que as mulheres se tornaram “o segundo sexo”. 
Aquele que só se define em relação ao primeiro sexo, o masculino.
Assim, a história e a cultura construíram das mulheres uma imagem invertida, tal qual um reflexo no espelho. Ao longo dos milénios e séculos, as mulheres só existiram em referência aos homens, como homens ao contrário, a versão fracassada, sem força, impotente e desprovida de poder do masculino.

Poder, potência, força, sucesso.
Palavras que Simone investiga e que descobre serem concebidas como privilégios do sexo masculino até mesmo por muitas mulheres.
Foi essa descoberta que levou os críticos a apontarem radicalismo e misantropia na obra. Quem faz essas acusações esquece-se de que a ferocidade das suas palavras é consequência directa do contexto em que a obra foi escrita: a Europa do pós-Segunda Guerra.

Simone não é contra os homens, mas contra o facto de exercerem a dominação em palavras, gestos, atitudes e políticas. E isso acontece ainda hoje. Simone não é contra as mulheres, mas contra o facto de se submeterem voluntariamente à dominação. 
E isso também acontece ainda hoje, principalmente diante da justificativa de que biologicamente homens e mulheres são diferentes.

Publicado em 1949, o livro de Simone de Beauvoir mostrou que a imagem da mulher frágil, infantilizada, incapaz física ou intelectualmente, perniciosa, perigosa, suja, pode ser transformada. Simone desvenda a trama histórica da submissão feminina para, no fim da obra, falar sobre a construção da mulher independente.

Descobriu que em muitas teorias, ditas científicas ou filosóficas, a mulher aparece associada a satanás, ao erro, ao perigo, ao mal, ao pecado, à fraqueza. 
Talvez por isso, Simone ouse nomear, no seu livro, com total franqueza, os laços sociais entre homens e mulheres na vida pública e também na vida particular. Não que ela ignore o amor e a paixão, mas o que ela encontra na sua investigação são outras palavras menos românticas: submissão, opressão, exploração, dependência, servidão (inclusive voluntária).

Ela foi acusada de ser contra os homens – nada mais falso para uma mulher que amou tantos( nomeadamente a relação bem conhecida com Jean-Paul Sartre) e tão intensamente; de pregar a dissolução da família – que, é verdade, ela via a família com restrições por ser a base na qual se reproduzem a submissão e a opressão da mulher. Recebeu insultos à sua sexualidade, à sua moral, à sua honra. Curiosamente, não à sua inteligência ou à solidez das suas ideias.

O livro é uma viagem profunda pela história da mulher, pelos factos, mitos e experiências em torno do feminino. Para o bem e para o mal, ainda hoje, as ideias de Simone de Beauvoir assustam e chocam algumas mulheres e muitos homens. 
Ela escreveu O Segundo Sexo há 60 anos, mas ainda hoje o processo de tornar-se mulher pode ser vivido como um diálogo com as ideias que ela expôs no livro.


Deixo-vos aqui algumas das passagens que mais me tocaram: 


"A relação dos dois sexos não é a das duas electricidades, de dois pólos. O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos 'os homens' para designar os seres humanos ... A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade."

"O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela se comporta como um ser humano ela é acusada de imitar o macho."

"A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autónomo."

"Os termos masculino e feminino são usados simetricamente apenas como uma questão de formalidade. Na realidade, a relação dos dois sexos não é bem como a de dois pólos eléctricos, pois o homem representa tanto o positivo e o neutro, como é indicado pelo uso comum de homem para designar seres humanos em geral; enquanto que a mulher aparece somente como o negativo, definido por critérios de limitação, sem reciprocidade. ... Está subentendido que o facto de ser um homem não é uma peculiaridade. Um homem está em seu direito sendo um homem, é a mulher que está errada."

"Se a mulher foi, muitas vezes, comparada à água, é entre outros motivos porque é o espelho em que o Narciso macho se contempla; debruça-se sobre ela de boa ou de má-fé. Mas o que, em todo caso, ele lhe pede é que seja fora dele tudo o que não pode apreender em si, pois a interioridade do existente não passa de nada e, para se atingir, ele precisa projectar-se num objecto. A mulher é para ele a suprema recompensa porque é sob uma forma exterior que ele pode possuir, em sua carne, sua própria apoteose."

"Tesouro, presa, jogo e risco, musa, guia, juiz, mediadora, espelho, a mulher é o Outro em que o sujeito se supera sem ser limitado, que a ele se opõe sem o negar. Ela é o Outro que se deixa anexar sem deixar de ser o Outro. E, desse modo, ela é tão necessária à alegria do homem e a seu triunfo, que se pode dizer que, se ela não existisse, os homens a teriam inventado."

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