Gostam dos poemas colhidos na arca frigorífica tê-los ali em
porções doseadas com as instruções sobre o tempo médio para
aquecer no fogão ou no microondas gostam muito de ler o nome
como a etiqueta pendurada num pé um prego enferrujado sobre a
passagem deles sumariamente julgada contida um morto já calmo
metido num saco hermético selado plenamente abraçado pela
terra e coroado por flores das mais castas gostam de lhe sentir os
dentes se não puder ferrar quando brincam a pôr a mão no fogo
sendo certo que não ateará a seara nem lhes deitará uma olhada
que os faça sentir cercados podem estar descansados ler um
poema é um acto ao abrigo do máximo sigilo sem compromisso
de qualquer espécie pode sair a meio cavar tirar o que lhe
apetecer do contexto partilhar como legenda da próxima selfie
suspendê-lo logo que se torne inconveniente não tem botão mas
feche os olhos que é como desligar e até pode arrancar a página é
o mais à vontade do freguês que possa imaginar e sim em breve
haverá serviço ao cliente e um gabinete para que os utentes
façam as suas reclamações também já estamos a tratar com as
entidades competentes para estabelecer um sistema de garantia
mas sobretudo que esteja já bem frio e o olhar ferocíssimo do
poeta se detenha a partir daquela segunda data sem
possibilidade de lhe crescerem unhas ou cabelos nem de
assombrar seja quem for muito para breve será aprovada ainda
uma directiva entre Estados para gerar confiança nos
consumidores: poetas serão sempre servidos mortos
Diogo Vaz Pinto
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