terça-feira, 26 de setembro de 2023

Gostam dos poemas



Ed Ruscha






Gostam dos poemas colhidos na arca frigorífica tê-los ali em 
porções doseadas com as instruções sobre o tempo médio para 
aquecer no fogão ou no microondas gostam muito de ler o nome 
como a etiqueta pendurada num pé um prego enferrujado sobre a 
passagem deles sumariamente julgada contida um morto já calmo 
metido num saco hermético selado plenamente abraçado pela 
terra e coroado por flores das mais castas gostam de lhe sentir os 
dentes se não puder ferrar quando brincam a pôr a mão no fogo 
sendo certo que não ateará a seara nem lhes deitará uma olhada 
que os faça sentir cercados podem estar descansados ler um
poema é um acto ao abrigo do máximo sigilo sem compromisso 
de qualquer espécie pode sair a meio cavar tirar o que lhe 
apetecer do contexto partilhar como legenda da próxima selfie 
suspendê-lo logo que se torne inconveniente não tem botão mas 
feche os olhos que é como desligar e até pode arrancar a página é 
o mais à vontade do freguês que possa imaginar e sim em breve 
haverá serviço ao cliente e um gabinete para que os utentes 
façam as suas reclamações também já estamos a tratar com as 
entidades competentes para estabelecer um sistema de garantia 
mas sobretudo que esteja já bem frio e o olhar ferocíssimo do 
poeta se detenha a partir daquela segunda data sem 
possibilidade de lhe crescerem unhas ou cabelos nem de 
assombrar seja quem for muito para breve será aprovada ainda 
uma directiva entre Estados para gerar confiança nos 
consumidores: poetas serão sempre servidos mortos



Diogo Vaz Pinto



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