segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O Naufrágio das Civilizações





Quando observamos a evolução do mundo ao longo das últimas décadas, não podemos deixar de nos surpreender com um paradoxo perturbador: no plano da ciência, da tecnologia e também da economia, há avanços sem precedentes na História. Vivemos durante mais tempo e com melhor saúde. Temos à nossa disposição todo o saber dos homens e muitos instrumentos que nos facilitam a vida. Testemunhamos o desenvolvimento económico das nações mais populosas do mundo, como a China ou a Índia. Tudo isto é, sem dúvida, fascinante, mas o progresso moral da Humanidade não segue o mesmo ritmo. Alguns acontecimentos parecem mesmo uma verdadeira regressão moral...
(...)
Um “mundo em decomposição”. Porquê?
Porque nada foi feito para travar essa deriva. Infelizmente, observamos isso em relação a vários domínios. Tomemos, como exemplo, a questão das alterações climáticas. Falamos disso constantemente, exprimimos as nossas preocupações, mas será que estamos a usar todos os meios para suster esta deriva? De modo algum. É como se, no fundo, não acreditássemos que o risco é real. Ou como se esperássemos que o problema se resolvesse sozinho, como por magia, sem termos de lidar com ele. O mesmo acontece com as derivas identitárias. Falamos disso sem cessar, mas a verdade é que não procuramos resolver os problemas...
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Vivemos num mundo onde, graças ao progresso nas comunicações, estamos em permanente contacto com os nossos contemporâneos. Podemos até dizer que cada um de nós tem milhares de milhões de vizinhos, alguns dos quais no mesmo país, na mesma cidade, na mesma rua. Como organizar as relações entre todas estas pessoas, de inúmeras origens, para evitar as tensões, as discriminações, as incompreensões, os ódios e as violências? Todas as sociedades contemporâneas enfrentam esta situação, algumas delas vivendo num estado de tensão permanente que perturba o seu clima político e intelectual, que pesa sobre a sua vida diária.
Uma parte significativa da população sente-se marginalizada, perdeu a fé no futuro e sente que os responsáveis políticos não se preocupam com o seu destino, porque têm outras prioridades.



Amin Maalouf
in, O Naufrágio das Civilizações





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