quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O Mito de Sísifo






“A partir do momento em que foi descoberto, 
o absurdo é uma paixão, 
a mais lancinante de todas. 
Mas o problema está em saber se 
podemos viver com as nossas paixões, 
se podemos aceitar a sua lei profunda, 
que é a de queimar o coração 
que elas ao mesmo tempo exaltam.”



O Mito de Sísifo é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus, em 1941.

No ensaio, Camus introduz a sua filosofia do absurdo: o homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível, desprovido de Deus e eternidade. 
Mas em que consiste o absurdo? 
Como apresentado aqui pode dizer-se que é a busca do homem pelo sentido da vida. 
Então, cada parte do ensaio é uma abordagem do absurdo na vida. 
O absurdo da vida do homem é comparado com o mito de Sísifo.

Será que a realização do absurdo exige o suicídio?
Camus responde:
"Não. Exige revolta". 

Ele então descreve várias abordagens do absurdo na vida. 
O último capítulo compara o absurdo da vida do homem com a situação de Sísifo, um personagem da mitologia grega que foi condenado a repetir eternamente a tarefa de empurrar uma pedra até ao topo de uma montanha, sendo que, toda vez que estava quase a alcançar o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até ao ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.

O ensaio é dedicado a Pascal Pia e está organizado em quatro capítulos e um apêndice.


Capítulo 1: Um Absurdo Raciocínio
Camus compromete-se a responder ao que ele considera ser a única causa da filosofia em questão: Será que a realização da plenitude e absurdo da vida exigem suicídio?

Ele começa por descrever a condição absurda: grande parte da nossa vida é construída sobre a esperança do amanhã, do amanhã que nos aproxima da morte, e é o último inimigo; as pessoas vivem como se elas não tivessem a certeza da morte; uma vez despojado do romancismo comum, o mundo é um estranho e desumano lugar; o verdadeiro conhecimento é impossível de ser explicado pela racionalidade da ciência em favor do mundo: suas histórias, em última análise, no sentido de abstrações, se dão em metáforas.
 "Desde que o momento absurdo é reconhecido, ele se torna a mais angustiante de todas as paixões."
Não é o mundo que é absurdo, nem o pensamento humano: o absurdo surge quando os humanos precisam entender a satisfação para irracionalidade do mundo, quando "o meu apetite para o absoluto e da unidade" complementa "a impossibilidade de reduzir o mundo a um princípio racional e razoável".

Ele então caracteriza um certo número de filósofos que descrevem a tentativa de lidar com esse sentimento do absurdo, como Heidegger, Jaspers, Shestov, Kierkegaard e Husserl. Todos estes, ele alega, cometem "suicídio filosófico", atingindo conclusões que contradizem a posição original do absurdo, quer por motivo do abandono ou da transformação de Deus, como no caso de Kierkegaard e Shestov, ou por motivos divinais, e finalmente chegando a onipresença e uma exclusividade divinal, como no caso de Husserl.

Para Camus, que começou a levar a sério o absurdo e segui-lo à suas conclusões finais, estes "ímpetos", não podem convencer. Tomar o absurdo sério, significa reconhecer a contradição entre o desejo da razão humana e do mundo insensato. Suicídio, então, também deve ser rejeitado: sem o homem, o absurdo não pode existir. A contradição deve ser vivida; a razão e seus limites devem ser reconhecidos, sem esperança. No entanto, o absurdo nunca pode ser aceite: ele exige constante confronto, constante revolta.

Embora a questão da liberdade humana no sentido metafísico perca interesse para o homem absurdo, ele ganha liberdade num sentido muito concreto: já não é vinculado pela esperança de um futuro melhor ou eternidade, sem a necessidade de prosseguir o objetivo da vida ou para criar significado, 
"Ele goza de uma liberdade no que se refere às regras comuns".
Abraçar o absurdo implica abraçar tudo de insensato que o mundo tem a oferecer. Sem um sentido na vida, não existe uma escala de valores. "O que conta não é a melhor vida, mas a maioria dos que a vivem."

Assim, Camus chega a três consequências da plena aceitação do absurdo: a revolta, a liberdade, e a paixão. A revolta, no que tange à constatação de que a vida é absurda, sem sentido; a liberdade, haja vista a nossa condição humana (estamos sós e escolhemos) e; a paixão, já que não se vive a vida de outro modo.


Capítulo 2: O Absurdo do Homem
Como deve viver o homem absurdo? 
Claramente, não se aplicam regras éticas, como todas elas são baseadas em poderes sobre justificação. "Integridade não tem necessidade de regras." "Tudo é permitido" não é uma explosão de alívio ou de alegria, mas sim, um amargo reconhecimento de um fato."

Camus, em seguida, passa a apresentar exemplos da vida absurda. 
Ele começa com o Don Juan, o sedutor que vive a vida apaixonado ao máximo. "Não há um nobre amor, mas o que reconhece - tanto os efémeros quanto os duradouros".

O próximo exemplo é o ator, que retrata a vida efémera da fama efémera. "Ele demonstra em que medida o ser interpretado cria". "Nestas três horas ele percorre todo o decorrer do beco sem saída, o que homem da plateia leva uma vida para cobrir".

O terceiro exemplo do absurdo é o homem conquistador, o guerreiro que com todas as promessas de eternidade, afeta o envolver pleno da história humana. Ele escolhe a ação sobre a contemplação, consciente do facto de que nada pode durar e não é vitória final.


Capítulo 3: Criação do Absurdo
Aqui Camus explora o absurdo criador ou do artista. Uma vez que a explicação é impossível, o absurdo da arte é restrito a uma descrição das inúmeras experiências no mundo. "Se o mundo fosse claro, a arte não existiria." A absurda criação, naturalmente, tem também de abster-se de julgar e de aludir ao mesmo tempo a menor sombra de esperança.

Ele então analisa o trabalho de Fiódor Dostoiévski nesta perspectiva, especialmente O Diário de um Escritor, O idiota e Os Irmãos Karamazov. Todas essas obras começam a partir da posição absurda, e os dois primeiros, a explorar o tema do suicídio filosófico. Mas tanto em O Diário de um Escritor, seu último romance, como em Os Irmãos Karamazov, encontram-se um caminho de esperança e fé e, portanto, não como criações verdadeiramente absurdas.


Capítulo 4: O Mito de Sísifo
No último capítulo, Camus esboça o mito de Sísifo, que desafiou os deuses: quando capturado sofreu uma punição: para toda a eternidade, ele teria de empurrar uma pedra de uma montanha até ao topo; a pedra então rolaria para baixo e ele novamente teria que começar tudo. Camus vê em Sísifo o ser que vive a vida ao máximo, odeia a morte e é condenado a uma tarefa sem sentido, como o herói absurdo. Não obstante reconheça a falta de sentido, Sísifo continua a executar a sua tarefa diária.

Camus apresenta o mito para mostrar uma metáfora sobre a vida moderna, como trabalhadores em empregos fúteis em fábricas e escritórios. 
"O operário de hoje trabalha todos os dias da sua vida, fazendo as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas só é trágico nos raros momentos em ele se torna consciente".
A loucura humana! 
Gente a tentar viver de uma forma totalmente equivocada, onde o fundamento não se realiza ou se aproxima. A vida precisa ser vivida com coerência e poesia. Sem medo, sem privações absurdas, de maneira suave e simples. A vida é assim: precisamos apenas simplificar.  
Na verdade, nós humanos, continuamos a rolar pedra monte acima, à revelia de qualquer processo lógico.


NA MITOLOGIA GREGA
Sísifo era um pastor de ovelhas e filho de Éolo, o deus dos ventos, e Enarete. 
Era tido como a pessoa mais ardilosa que já existiu. O mais astuto dos mortais.
Morava num povoado chamado Éfira e, ao melhorar as condições do lugar, passou a chamá-lo de Corinto, que mais tarde se tornou uma grande cidade. 
Casou-se com Mérope, filha do deus Atlas e que compõe uma das plêiades.
Um dia, Sísifo percebeu que seu rebanho diminuíra. 
Estava a ser roubado. 
Então, marcou as suas ovelhas, seguiu-lhes o rasto e foi dar na casa de Autólico. 
Arrolou testemunhas da ladroagem, e enquanto os vizinhos discutiam sobre o roubo, rodeou a casa em busca de mais alguma ovelha e encontrou a filha do ladrão, Anticleia. 
Seduziu-a e engravidou-a, vingando-se do malfeitor.
Ao voltar para casa, Sísifo, que andava sempre escondido, presenciou Zeus, o Deus do Olimpo, a raptar Egina, filha de Ásopo. Aproveitando-se do facto, Sísifo, em troca da construção de um poço para a sua cidade, entregou o deus sedutor a Ásopo. Claro que Zeus ficou a saber que Sísifo o tinha denunciado, e mandou Tânato - a Morte - que o levasse para o mundo subterrâneo onde viviam as almas condenadas. Ao encontrar-se com a morte, Sísifo a presenteia com um colar e elogia sua beleza. O colar na verdade era uma coleira e, assim, ele aprisiona Tânato.
Pressentindo a fúria de Zeus, Sísifo pede à sua esposa Mérope, que não o enterrasse após a sua morte, antes de ser levado para Hades, o Deus da Morte.
Quado encontra Hades persuade-o a deixá-lo voltar e organizar o seu funeral, além de punir os que negligenciaram o seu enterro. Ele concede-lhe a volta por apenas três dias. Mas, quando voltou à superfície, ele passa a viver normalmente com a sua esposa, como se nada tivesse acontecido. e assim enganou a Morte pela segunda vez.
Vendo aquele absurdo, pois ninguém deveria enganar a morte, Hades libertou Tânato e ordenou que o conduzisse novamente a Hades e que lá recebesse um castigo exemplar. Deveria rolar uma enorme pedra monte acima, até ao topo. Porém, chegando lá, o esforço despendido o deixaria tão cansado que a pedra se soltaria e rolaria monte abaixo. No dia seguinte, o processo se iniciaria novamente, e assim pela eternidade, como forma de envergonhá-lo pela sua esperteza em querer enganar os deuses e a morte.
Quando Sífiso finalmente morreu, foi de velhice.
Zeus e Hades consideraram Sífiso um revoltado e a sentença foi uma eternidade de punição.

"Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança."
 – Camus, O Mito de Sísifo, p.137
Camus escolhe Sísifo pela sua audácia em enfrentar a morte, pela revolta consciente que fez de sua vida uma criação autêntica, digna de se estar presente. A astúcia de Sísifo é a de negar os deuses e aceitar seu destino. A liberdade de Sísifo é sua escolha em encarar o absurdo sem nostalgia, salto ou apelo. A grandeza de Sísifo é sua intenção de esgotamento, seu desejo de ir até o fundo da existência conhecendo todos os riscos. É a própria negação da morte personificada na revolta que interessa Camus.

"Sísifo é o herói absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões dessa terra."
Camus, O Mito de Sísifo, p.138

Os mitos dos mortais são os que mais interessam. A finitude como condição básica da vida e a impossibilidade de tornar-se deus, nos colocam num mesmo plano que esses homens. Essas histórias são alegorias de nossa própria condição. Muito mais do que os conflitos no Olimpo, a morada dos deuses. Essa condição, marcada pelo absurdo, é o plano de toda a filosofia de Camus. A necessidade da morte e a impossibilidade de ter um conhecimento verdadeiro nos arremessam ao mundo como a um imenso rochedo. Ao punir Sísifo, os deuses na verdade só intensificaram a sua condição, esquecendo-se que ele, o revoltado, estava já bem acostumado ao absurdo.

"Só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, a segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse prolongado esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a meta é atingida. Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta a planície"
 – Camus, O Mito de Sísifo, p.138

Temos então uma eternidade num ciclo dividido em alguns momentos.
O primeiro momento, fazer a pedra subir, vê-la cair, descer e tornar a subi-la. São bastante diferentes. Ao subir, Sísifo é tal qual a pedra, seu rosto confunde-se com a rocha, seus pensamentos são minerais, seus desejos são puro instinto. Por acaso essa mecânica nos espanta? Que fazemos na nossa vida senão subir pedregulhos quotidianamente? Somos todos um pouco minerais, hoje talvez um pouco feitos de silício. Estamos imersos em processos automáticos onde mal sobra tempo para pensar, tampouco viver. Queiramos nós ter a força de Sísifo ao carregar a sua pedra, não podemos nos desvencilhar delas!

"Esse mito só é trágico porque o seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, a sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo."
Camus, O Mito de Sísifo, p.139

O segundo momento, ver a pedra rolar montanha abaixo, dinâmica, necessidade, movimento. Não é possível criar nada sem esse eterno rolar de pedras. Existe uma cota de sacrifício em toda a construção. A crueldade consigo é vital para as grandes almas. Perceber o caos na sua capacidade infinita de desmontar e também reconhecer que somos filhos dele. A consciência dessa desmesura entre nós e o mundo é fundamental. Coragem é precisamente o que existe para além de tudo isso, seguir apostar na vida apesar das hipóteses.

O último momento é o auge. Sísifo desce a montanha, sente o vento bater no seu rosto, o sol já próximo do horizonte preenche a ilha deserta de tons alaranjados. A pedra parece tão pequena de longe. Cada descida é a experimentação de uma nova maneira de sentir. Descer a montanha é ter um bom encontro com as forças da gravidade, é ser um pouco de vento. A boa disposição de si mesmo faz de Sísifo um criador. Ele já não é pedra.

"Toda a alegria silenciosa de Sísifo consiste nisso. Seu destino lhe pertence. A rocha é sua casa. Da mesma forma, o homem absurdo manda todos os ídolos se calarem quando contempla o seu tormento. No universo que repentinamente recuperou o silêncio, erguem-se milhares de vozes maravilhadas da terra."
Camus, O Mito de Sísifo, p.140

A filosofia trágica encontra a estética e uma ética solar surge. O absurdo abre a possibilidade de criação. A revolta dá a sua porção de sentido. A eternidade nada mais é do que um destino certo. A liberdade é uma condenação à presença. A criação é a atualização das forças em mais capacidade de existir e afirmar.

"Deixo Sísifo na base da montanha! As pessoas sempre reencontram seu fardo. Mas Sísifo ensina a felicidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Este universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz."
Camus, O Mito de Sísifo, p.141


Este mito narra o esforço inútil de uma pessoa, seu árduo e rotineiro trabalho, que nunca será concluído. Também fala do desejo humano de ser eterno, como os deuses, vencendo a morte.
  • Quantas pessoas estão a rolar pedra monte acima? 
  • Quantas insistem num caso que nunca terá solução? 
  • Ou teimando em mudar outra pessoa para se satisfazer? 
  • Exercendo uma função rotineira e vazia? 
  • Quantas se acham num martírio sem fim? A maioria? 
  • Quantas vivem sob o domínio das ideologias sem questioná-las? 
  • Quanto dinheiro é gasto no inútil esforço de parar o tempo e se tornar jovem para sempre?


Até aqui tudo parece ser absurdo, pois quando se tenta reduzir a impossibilidade do mundo a um princípio racional e razoável, nada faz sentido. Mas, levar a sério até o que é absurdo, é reconhecer a contradição entre o desejo da razão humana e da insensatez do mundo. 
Sem o homem, não há absurdo. 
Então, por que viver uma vida vã e inútil? 
Ora, o que conta não é a melhor vida, mas como se deve vivê-la. 
Daí a liberdade. 
Todavia, para a maioria, ela também é um absurdo e libertar-se é preciso.








SÍSIFO SIN EMBARGO


Es triste que el destino de un hombre sea Sísifo,

que hayamos de llevar sobre los hombros

la misma piedra siempre, que parece

ya nuestro pensamiento, y tropecemos

en ella tantas veces como vidas

quisiéramos tener y sin embargo.



Es triste trepar riscos cargados de razón

y dejarla caer al alcanzar la cumbre

para después volver al mismo error

un día y otro, como el alma al vicio,

condenados a ser, sedientos, quienes somos:

quienes quisimos ser y sin embargo.



Es triste repetirse como la misma historia,

dar vueltas a la noria, día y noche,

moliendo una manera de ser y de mirar

que te lleva a sufrir y a hacer sufrir.

Llevo mi piedra en mí, mi pensamiento,

y dentro yo, esperando ser tallado,

esculpido, salvado y sin embargo.



Juan Vicente Piqueras
in, Adverbios de lugar








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