domingo, 4 de agosto de 2019

Desfloramento





Venho das noites escuras 
e aprendi a ver nas trevas 
e a ler nas trevas. 
Venho das noites escuras 
e sei o grande soluço das sombras 
e os cânticos impotentes dos peregrinos. 
Venho das noites escuras 
daí o meu amor imenso pela luz! 
Quanto mais treva era a treva 
melhor eu aprendia a amar a luz do sol
e dos meus olhos sempre mais e mais abertos 
a luz interior irradiando aniquilava as sombras... 
E sendo sempre noite já a pouco e pouco era mais manhã. 
E cada vez mais enorme e definitiva a manhã subia
apesar da treva apesar do silêncio apesar de tudo! 
O negrume da noite era uma incandescência prenhe.

A flor romântica da treva esfolhou-se-me nos dedos. 
E então nasci. 
E então vi que estava nu
e alegrei-me por estar nu
enfim! 
Sorvi os frutos da terra
e já não me souberam a papel impresso! 
Sacudi a poeira do que me tinham ensinado
e comecei a saber. 

Sob as palavras surgiu enfim a voz
e a canção ardente da vida já não encontrou algodão 
nos meus ouvidos. 

Ah! Só quem veio das trevas e das noites escuras 
pode amar assim o imenso mundo do sol! 


Adolfo Casais Monteiro





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