terça-feira, 5 de dezembro de 2017

NÃO HÁ OUTRO CAMINHO





Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência 
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então 
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá 
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho. 



Rui Pires Cabral 
in, Morada




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