sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

CALMARIA





Um barco atravessa as constelações, 
deixando um sulco de asa na superfície celeste. Viajante 
clandestino, oculto o meu sonho
na mala do porão. Ouço um choro de astros
amarrados ao mastro de fogo, e sinto uma queda 
de cometa no abismo do horizonte.

Desenho o seu rumo no mapa
da alma. Evito naufrágios; rodeio arquipélagos 
e recifes; procuro o centro do céu, onde
se esconde a visão de um último porto, com
o seu cais de cinza e uma erupção de lava
nos bolsos do nada. 

Então, acendo um cigarro na falésia
da memória. Os deuses seguem-me, apanhando 
as beatas que deixo pelo caminho. Correm, 
e ouço o bater dos corações num eco
de cansaço. Mas não me apanham, e
dobro a esquina do ocaso, vendo-os tossir
com o fumo da noite

De volta ao convés, reabro
o diário de bordo. E o barco continua parado
no oceano sem porto.


Nuno Júdice
in, Geometria Variável







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