domingo, 20 de setembro de 2015

Marguerite Yourcenar




A felicidade não era senão uma infelicidade mais ou menos bem tolerada.
Todas essas teorias eu as repetia para mim porque sabia que a coragem consiste em dar razão aos factos quando não podemos mudá-los.


A felicidade é provavelmente uma infelicidade que se suporta melhor.


A felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor falta de delicadeza desfeia-a, a menor palermice embrutece-a.

Toda a felicidade é uma forma de inocência.
Torna-se necessário (ainda que te escandalize) insistir na palavra felicidade, embora me pareça uma palavra miserável. Nada prova melhor a nossa miséria do que a importância que conferimos à felicidade.


Sempre suspeitei que a alegria pudesse conter o germe do pecado.


Somos mais clarividentes no escuro, porque nele nossos olhos não nos podem enganar.


A medida que vão desaparecendo aqueles a quem amamos, diminuem nossas razões para conquistarmos uma felicidade que não poderemos fruir juntos.


Há uma espécie de satisfação em saber que somos pobres, que somos sós e que ninguém, absolutamente ninguém, se preocupa connosco.


O sono é perfeito quando não sonhamos.
Poderíamos dizer que, a cada noite, ele nos desperta da vida.


Não me vanglorio de ter amado. Sei, sei demais quão pouco duráveis são as emoções, por mais que vivas que sejam ou que tenham sido, para pretender obter de seres perecíveis e inexoravelmente compromissados com a morte um sentimento que se pretende imortal. Tudo que nos comove no outro não lhe é dado senão pela vida. A alma envelhece como a carne e é, mesmo para os melhores de nós, apenas o desabrochar de uma estação, um milagre efémero como a própria mocidade.


A paixão exige gritos; o amor, porém satisfaz-se com palavras, enquanto a simpatia pode ser silenciosa.


Apesar de todo o cuidado que possamos tomar, é extremamente difícil evitarmos o sofrimento que causamos.


Nosso corpo esquece tanto quanto a nossa alma. É talvez essa capacidade de esquecer que em muitos de nós, explica a renovação da inocência.


Podemos comandar algumas vezes nossos actos. Comandamos um pouco menos nossos pensamentos, e não comandamos absolutamente nossos sonhos.


Jamais estamos inteiramente sós, pois desgraçadamente estamos sempre em nossa própria companhia.


A música me transporta para um mundo no qual a dor não cessa de existir, mas solta-se e tranquiliza-se.


Inspirara grandes paixões que a fizeram sofrer, mas não alimentou os desgostos por muito tempo. Ocorria com seus desgostos o mesmo que com seus vestidos de baile: usava-os apenas uma vez, embora os conservasse todos.


Não era feliz em Wand antes da tua chegada. Estava apenas semi-adormecido. Mas chegaste. Não posso dizer que fui mais feliz ao teu lado. Simplesmente comecei a compreender que a felicidade existia e que era algo como o sonho de uma tarde de verão.


Experimento junto a ti, um sentimento novo, de confiança e paz. Gostavas, tanto quanto, das longas caminhadas sem destino, através do campo, percorrendo caminhos que não levam a lugar algum. Aliás, não tinha a necessidade de chegar a parte alguma. Bastava-me o facto de estar tranquila ao teu lado. Tua natureza pensativa combinava com meu temperamento tímido. Nós nos calávamos juntos. Em seguida, tua voz grave, bonita e quase velada, tua voz retemperada pelo silêncio, interrogava-me suavemente sobre a minha arte e sobre mim mesmo. Compreendi logo que sentias por mim uma espécie de ternura mesclada de compaixão. Eras bondosa. Conhecias o sofrimento por havê-lo curado ou minorado muitas vezes. Adivinhaste em mim um jovem doente, ou um jovem pobre. Eu era realmente tão pobre que sequer te amava. Em ti via somente a doçura.


Os costumes não admitem a paixão para as mulheres. Permitem-lhes somente o amor. É talvez por essa razão que elas amam tão totalmente.


A vida alheia nos parece sempre mais fácil porque não é vivida por nós.


Meu temperamento mudou: tornei-me caprichoso, difícil e irritável. Parecia-me que uma única virtude me dispensava de todas as outras. Odiava-te por não conseguires proporcionar-me a calma com a qual havia contado e que não pedia, embora fosse o que mais desejava obter.


A fortuna, por si só não constrói a felicidade, mas estabelece suas bases.


À medida que tombam, uma após a outra, nossas ilusões e nossas crenças, conhecemos melhor nosso verdadeiro eu.


No momento em que decidimos renegar todos os princípios, é conveniente que conservemos, no mínimo, os escrúpulos.


Peço-te humildemente, o mais humildemente possível, perdão, não por te deixar, mas por ter ficado por tanto tempo.


De todos os jogos, o do amor é o único capaz de transtornar a alma e, ao mesmo tempo, o único no qual o jogador se abandona necessariamente ao delírio do corpo.


Correr, mesmo no mais curto percurso, ser-me-ia hoje tão impossível quanto para a pesada estátua de um César de pedra.


Nosso grande erro é tentar encontrar em cada um, em particular, as virtudes que ele não
tem, negligenciando o cultivo daquelas que ele possui.


Corpo, meu velho companheiro, nós pereceremos juntos. Como não te amar, forma a quem me assemelho, se é nos teus braços que abarco o universo.


Toda a nossa vida tem por condição a infidelidade a nós mesmos.


O passado, é infinitamente mais estável do que o presente. Em consequência os seus efeitos são muito maiores.


As outras pessoas vêm a nossa presença, os nossos gestos, a maneira pela qual as palavras se formam nos nossos lábios, mas somente nós vemos a nossa vida.


Nada reaproxima tanto o ser humano como o facto de sentirem medo juntos.


Os livros não contêm a vida. Contêm apenas as suas cinzas.


Cada vez que sofremos, somos levados a acreditar que a dor presente é a dor maior.


A repulsa é uma das formas de obsessão e que, se desejamos alguma coisa, é mais fácil pensar nela com horror do que deixar de pensar.


A alma quase sempre me parece não ser nada mais que a simples respiração do corpo.


Nossos defeitos são, por vezes, os melhores adversários dos nossos vícios.


Quando se trata de pessoas comuns, é inútil atribuir-lhes qualquer sabedoria. Basta que lhes atribuamos cegueira, apenas cegueira.


O sofrimentos nos torna egoístas, pois nos absorve inteiramente. Só mais tarde, sob forma de saudade, é que o próprio sofrimentos nos ensina a sermos compassivos.


Ninguém ainda sabe se tudo apenas vive para morrer, ou se morre para renascer.


Creio que quase sempre é preciso um golpe de loucura para se construir um destino.


Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana.


O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós próprios.



Marguerite Yourcenar

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