sábado, 30 de novembro de 2019

Black Friday





O nosso eterno dilema: 
Como harmonizar o mundo material 
com o mundo espiritual. 
Como valorizar o nosso dinheiro 
e tirar partido dos prazeres, coisas e experiências 
que o mundo tem hoje à nossa disposição 
sem nos desconectarmos dos nossos valores interiores, 
da nossa verdade e da responsabilidade 
de nos sentirmos felizes e em paz 
com a realidade à nossa volta.



E não é raro vermos posturas radicais de um ou do outro lado da balança. 
Seja os que estão neste momento apinhados em Shoppings a tentar levar mais uma tralha para casa, seja os que aproveitaram o dia para fugir da "loucura", ambos terão algures na sua vida que integrar e fazer as pazes com o outro lado.

Os que estão nas compras irão, algures no tempo, chegar a casa e humildemente reconhecer que o que está dentro do saco não preenche nem cura o vazio interior, a solidão, a tristeza ou resolve a relação tóxica em que está preso.
Os que fogem e criticam exageradamente os que estão na loja, irão algures humildemente admitir que parte do seu conforto do dia a dia vem das tralhas materiais e reconhecer que seria ideal comprar um computador novo ou renovar o armário por metade do preço.

Como sempre são os exageros que nos afastam do equilíbrio, que nos fazem adoptar posições extremistas, que nos fazem esquecer que cada um de nós está no seu estágio de evolução, a aprender na sua realidade pessoal, as mais valiosas lições. O livre arbítrio de cada um mostrará o estado de consciência em que se encontra e irá trazer-lhe as lições que ainda precisa.

Se uns já aprenderam a passar estes dias no descanso da casa ou num passeio pela Natureza com quem mais amam, óptimo! Desfrutem da vossa aprendizagem e escolha do momento. Como já atingiste um estágio saudável, procura então como elevá-lo ainda mais.
Se outros ainda precisam do desgaste e ainda vivem na ilusão do preciso de TER para SER, então deixemo-los estar a aprender as suas lições lá no meio da multidão. A desilusão virá ajudar a restaurar o equilíbrio.

Não é raro ver pessoas e até terapeutas com dificuldade em lidar com as questões do dinheiro e dos valores. O mundo material, seja ele das "coisas" ou das "máscaras", é de facto tentador e tem esse magnetismo de nos afastar da nossa essência e consciência pessoal.
Mas a verdade é que cá estamos e tanto o corpo como o espírito precisam de alimento. 

Deixo assim algumas sugestões para nos lembrarmos o que acredito que é de facto importante para qualquer um de nós. Ou melhor dito, o que tem realmente VALOR e onde queremos então investir o nosso dinheiro.

A parte física tem necessidades básicas tais como:
- Comida e bebida
- Tecto para viver
- Roupa para nos protegermos
- Transporte básico

A parte mental precisa de:
- Livros
- Cursos
- Formular objectivos que nos tirem da zona de conforto
- Aprender a estar na causa e não no efeito
- Manter uma mente positiva e optimista
- e cada vez mais uma boa máquina que nos conecte com os outros e com a informação do mundo

A parte emocional precisa de:
- Paz e liberdade
- Respeito e espaço para sentir a emoção de cada momento
- Terapia e integração de experiências presentes e passadas
- Alegria pura, sentido de humor
- Desenvolver o estado de gratidão
- Sentir amor próprio e compaixão pelos outros
- Entender o papel de quem nos rodeia

A parte espiritual precisa de:
- Filosofar / questionar
- Ter consciência de si mesmo
- Procurar dar significado à sua vida
- Aprender Astrologia e Numerologia
- Estudar as antigas filosofias e leis cósmicas
- Aprender e evoluir com todas as experiências e encontros


Que seja um tempo feliz e principalmente de consciência individual para cada um.



Vera Luz





POEMA DO DESAMOR






Desmama-te desanca-te desbunda-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato

Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato

Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato

Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato

Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato



ALEXANDRE O´NEILL
in, DEZANOVE POEMAS
POESIAS COMPLETAS






QUAL É A MISSÃO DA MINHA ALMA?





A missão de cada um tem conteúdos específicos e intransferíveis, carregados de dons únicos e potenciais que somente aquele indivíduo conseguiria desenvolver. Muito embora quando falamos sobre a missão de cada um, passamos a ideia de uma tarefa única, personalizada, encontrar e realizar a missão da alma tem aspectos genéricos que se aplicam a qualquer ser humano.

Todos temos dons ocultos específicos que podem e devem ser aflorados durante a vida, os quais se bem aproveitados, poderão promover um incrível aumento na plenitude e na alegria de existir de uma pessoa. Contudo, mesmo após aflorar determinados dons, muitas pessoas ainda munidas de potenciais latentes, não conseguem se concentrar no que realmente importa, a evolução da consciência e o foco num estilo de vida voltado para os valores da alma.

A maioria das pessoas que em algum momento se perguntam sobre suas missões aqui na Terra, já começaram a sentir um dos primeiros sintomas que indicam que elas não estão alinhadas com os seus propósitos: o sentimento de vazio. Este sentimento não vem sozinho, com ele sempre encontramos a angústia, a frustração e o desânimo que gera o efeito nota 5.



PRINCÍPIOS VALIOSOS

Se você quer encontrar e realizar a missão da sua alma, alguns passos são necessários para que você comece a se alinhar com você mesmo, e para isso, você precisará entender que:

1- Evoluir, sempre é a questão mais importante da nossa existência.
Em primeiro lugar você precisa melhorar os aspectos da sua consciência, curando os traços negativos da sua personalidade, como raiva, medo, tristeza, mágoa, pessimismo, intolerância, agressividade, tendência a criticar, tendência a controlar os outros, tendência a se isolar do mundo, tendência a se culpar, e assim por diante. Leia livros, faça cursos, terapia, participe de grupos específicos, todavia jamais, sob nenhuma  circunstância, deixe de dar prioridade a curar os seus pensamentos e emoções negativas.

2- Entenda que você é 100% responsável por você. 
Ninguém é responsável pela sua felicidade e você também não é responsável pela felicidade de ninguém. Arregace as mangas e siga em frente com vontade de fazer a diferença. Você pode até não saber o que está a fazer e também não ter certeza se está no caminho certo, mas se você estiver cheio de ânimo para encontrar o seu caminho, naturalmente irá encontrar, pois esse movimento obedece a  leis naturais.

3- Você não conseguirá ir a lugar nenhum se não valorizar o que você é e o que você tem no agora.
Jamais reclame, jamais critique, tampouco gaste o seu tempo a lamentar-se pelo que não tem ou não conseguiu. Entenda o seu momento atual como um nível necessário, mas projete mentalmente onde você quer chegar e como você quer se sentir. Todos os dias, sem exceção agradeça todas as suas bênçãos, agradeça a sua vida e tudo ao seu redor, e em seguida, volte o pensamento para onde você quer chegar. Gratidão e foco no seu objetivo são ingredientes mágicos que irão turbinar a sua energia interna de realização.

4- Ser para ter é a chave. 
No mundo atual, a maioria das pessoas olha ao seu redor e em algum momento sente uma carência profunda por não ter os bens materiais que o vizinho tem, por não ter o emprego que um amigo tem ou o relacionamento perfeito que aquela pessoa que está na mídia. Nesse momento, de forma ilusória, a pessoa pode acreditar que para ser feliz precisará dos bens materiais do vizinho,  do emprego do amigo ou o relacionamento perfeito daquela celebridade. Como dificilmente ela conseguirá tudo isso, tal e qual as pessoas citadas conseguiram, então o sentimento de carência pode vir à tona com toda força. Esse é um erro comum.
Você não pode inverter o caminho das coisas, não podemos ter algo para ser, entretanto, devemos ser para ter. E o ser para ter envolve exatamente a aplicação correta do princípio 1.  Você não pode afogar um sentimento ruim, apenas curá-lo, portanto, não é com uma conquista material, relacionamento ou emprego dos sonhos que você deixará de sentir emoções negativas. Apenas com consciência sobre você, sobre a sua existência, sobre os seus papeis e o sentido da sua vida, é que você conseguirá saciar a carência natural que surge quando olhamos o nosso mundo e as coisas ao nosso redor.

5- Adquira o habito da reflexão diária. 
Sem parar todos os dias, silenciando os sons externos e acalmando a mente, você jamais escutará a voz da sua alma. Internamente, no âmago da nossa consciência encontramos as respostas certas para absolutamente todas as situações da nossa vida, contudo, não somos acostumados a isso. Todos os dias, feche os olhos por dez minutos e faça perguntas mentalmente para você, as quais tem o objetivo de analisar como a sua alma se sente quanto a forma como você vem vivendo a sua vida. Faça cada uma das perguntas, depois aguarde surgir automaticamente as respostas. Em seguida, respire fundo, corte a conexão com a pergunta anterior, e continue se perguntando mais  por alguns minutos.


Algumas perguntas que você pode se fazer são:


  • Se eu morresse hoje, como eu me sentiria? Estaria pronto para ir? Quais assuntos pendentes ficariam? Quais emoções negativas eu sentiria? Porque? Quais as pessoas que ainda eu precisaria me harmonizar? Por que eu não fiz isso ainda?
  • Quais são os meus principais defeitos? Quais são os meus principais defeitos segundo a opinião das pessoas que eu mais convivo?
  • O que eu poderia fazer para sofrer menos com situações que enfrento na vida.
  • Eu estou no meu lugar no mundo?
  • Quanto esforço eu faço para ser aceito(a) pelas pessoas a minha volta? Isso é realmente necessário? Eu estou agindo corretamente?
  • Qual é o tamanho e qual é a qualidade do legado que eu já construí nesta vida? Quantas coisas eu já fiz pelo mundo das quais eu posso me orgulhar?
  • Eu gosto do que me tornei?
  • O que eu pretendo começar a fazer neste instante para melhorar a minha vida e o mundo?


6- Você só muda o mundo começando por você. 
Você não consegue mudar no outro o que não consegue mudar em você. Ensine pelo exemplo, seja o exemplo! Se quer mais harmonia, conquiste ela primeiro. Se quer que alguém tenha mais amor, mais paciência, mais perdão, então tenha você primeiro mais amor, mais paciência e mais perdão.

7- Saia do piloto automático. 
O mundo de hoje está programado para as pessoas não pensarem, não refletirem e viverem dentro de uma proposta de comportamentos controlados para um padrão materialista unicamente e linear. Não assista TV demais, não leia futilidades demais, não faça o que todo mundo faz o tempo inteiro, não fique na corrida louca do inconsciente coletivo, pois assim você será engolido. Questione as rédeas da sua vida o tempo inteiro e fique atento as emoções que sentir. Sempre que se sentir mal, olhe para dentro e encontre o significado deste sentimento antes de tomar novas decisões.

8- Tenha disciplina nos assuntos essenciais. 
Toda a pessoa, com o tempo, descobre valores os quais ela não suporta viver sem, por isso, descubra quais são esses valores na sua vida e dê muita atenção a eles. Mantenha uma disciplina impecável em manter um comportamento exemplar nestas áreas da sua vida. Por exemplo, se você já percebeu que é uma pessoa que precisa de muito descanso e boas horas de sono, crie uma rotina disciplinada para garantir que isso aconteça, pois se você ceder já conhece as consequências negativas.
Todos nós temos áreas de nossas vidas que podem ser consideradas estratégicas, então as mapeie e determine um plano de ação para que sejam bem organizadas em sua vida.

9- Viver o seu melhor é uma consequência. 
Quando você aplicar na sua vida, um estilo de vida e comportamentos voltados para os princípios anteriores, naturalmente os seus dons e talentos começarão a aflorar e você será inspirado a fazer novas coisas. É um movimento natural de quem lapida a sua essência, não há mistérios neste acontecimento, entretanto, abra a sua percepção pois quando você começar ver os seus talentos surgindo, você precisará explorá-los da melhor forma possível, e desta forma, você dará um incrível salto de qualidade na sua vida. Não há como ser feliz com seus próprios talentos se você não souber aplicar os princípios anteriormente citados.

Basicamente você precisará de 10 minutos diários para conectar-se à sua alma, ao seu eu interior.
Mude a sua realidade, isto só depende do seu comprometimento.


Bruno J. Gimenes



quinta-feira, 28 de novembro de 2019

LIVINGRY






Buckminster Fuller calculated in his sixties, that if we split the wealth equally for all people on earth, I can't remember how many millions everybody would have! There is abundance! And there is absolutely no reason for one single child to die from hunger. It's just a question of organizing our society in collaboration. Realizing that we are all one, that we are all in the same boat. And if we don't care of each other, we just not gonna make it! Because natural systems are in harmony with each other, they are not in competition. 
Nassim Haramein





Arte Privada


Alexander Yakovlev






Deveria ter feito da minha música um amor mais silencioso 
como se de uma arte privada se tratasse. 

A ti, a quem falo de poesia, a ti 
que assistes ao desenrolar de qualquer coisa que não compreendes,
respondo-te que também eu não compreendo, 
que não há nada a compreender, 
porque nada nos condena à fala 
antes que as palavras aconteçam. 

Por exemplo, esse poema começado numa manhã de Junho 
e nunca terminado: um princípio de verão, 
a janela que dá para o alcatrão sem tráfego serpenteando pelas colinas. 

A rua de dia de semana 
e o arquipélago da solidão despertando 
para as poucas coisas que procuro 
e que o poema irá entretecer 
se entretecer. 
A virtude que, cega, 
vai conhecendo o seu caminho. 

Desprende-se um fio luminoso da impossibilidade das palavras, 
e se ficamos tristes não era para ficarmos, 
pois não existem momentos irrepetíveis. 

Eles aninham-se no sangue 
e voltam a mergulhar-nos na experiência: 
um dia de Verão, um bosque, colinas 
onde a serpente de alcatrão se enrola. 
A ausência de tráfego como motivo. 

A pouco e pouco vou recuperando a gravura. 
Agora sei que havia uma ave sobre as colinas, 
pois há sempre uma ave, ou a sombra dela, 
nos meus poemas. Que havia água, 
o cheiro das inusitadas chuvas 
pela manhã de Junho. 

O rumor da imagem colado aos dedos. 
O ocre escuro das areias espalhado na mesa 
é um símbolo da infância, 
mas não o reconheço ainda. 
O poema é uma enumeração que não teve lugar, 
que nunca terá. Eu, à beira do fracasso, 
não o reconheço ainda. 

Enquanto isso tem lugar em mim o advento 
do que me define, 
e o barro de que sou feito coze por dentro. 


Luís Quintais
in, A Imprecisa Melancolia






Berta Isla





Romance sobre 
a incerteza da espera e a decepção: 
a história de uma mulher que 
ao longo de décadas 
tenta resistir a uma ideia de amor.


Um romance que nos interroga e nos sacode enquanto recupera algumas personagens da sua magnífica trilogia "O Teu Rosto Amanhã". 
À semelhança do que acontece em alguns dos seus livros mais recentes, também neste existe uma personagem dividida entre a cultura inglesa (estudou em Oxford, universidade onde Marías também leccionou) e a cultura espanhola: Tomás (Tom Nevinson), filho de pai inglês, cresce em Madrid (onde muito novo conhece Berta Isla, a mulher com quem se virá a casar), mas faz os estudos universitários em Inglaterra.
É durante este período estudantil, depois de se ver envolvido num assassinato e de ser chantageado, que os serviços secretos ingleses o recrutam — ele é um superdotado para línguas, para imitar tons de voz e sotaques — e passa a ser enviado em missões de espionagem, com uma longa carreira como infiltrado. Dito isto assim, poderá parecer ser uma história cheia de aventuras com espiões. Não é. É a história de uma mulher que espera porque acreditou numa ideia de amor — e por isso será testada ao longo de décadas.

Berta Isla casa com Tom a pensar que o conhecia desde sempre, e tendo a convicção de que estão destinados a ficarem juntos — talvez tivesse sido esta ideia, mais do que qualquer outra, o que a fez esperar por um amor que idealizara e que nunca chegaria. Mas, na verdade, Berta nada sabia de importante sobre Tom — ele obrigara-se a esconder a sua profissão de todos, mesmo dela, e durante toda a vida. “Quem se habitua a viver à espera nunca consente por completo que esta termine”, diz o narrador; e dirá também a personagem mais tarde.
Berta, nessa altura apenas sua namorada, permanecera em Madrid a estudar Literatura, e quando Tomás regressa a Espanha após a conclusão dos seus estudos em Oxford, não lhe revela ter aceitado a proposta dos Serviços Secretos, dizendo-lhe que aceitara um trabalho na embaixada do Reino Unido. Não parece surpreendente a Berta, portanto, que Tomás se ausente durante meses em Londres por alegados motivos profissionais, ainda que, assim que as esperas se começam a prolongar, tudo lhe pareça suspeito.

Berta é, portanto, uma mulher à espera do seu marido, e é ela a narradora e o foco deste livro, ou não fosse seu o título do mesmo. Deixada sozinha em Madrid com os dois filhos, frequentemente sem ter sequer notícias do paradeiro do seu marido, Berta é, estranhamente, uma mulher perfeitamente em paz com a sua situação. Raramente se sente tentada a abandonar a espera por Tomás. Claro que se questiona do paradeiro do marido, claro que preferia tê-lo a seu lado, mas, além das perguntas e das informações que lhe tenta arrancar em relação às suas missões (e que Tomás não revela), Berta aceita com aparente tranquilidade o seu papel de dependência face a um homem que não tem autorização profissional para revelar todo o ser que é.

Berta Isla não é sobre a espionagem, mas sobre a relação entre Berta e Tomás e sobre as consequências desse caminho, aquelas que foram escolhidas e aquelas às quais o destino obrigou. Tomás é um homem amargurado com o caminho em que desaguou a situação de se ver suspeito de um homicídio e, ainda que cresça para se tornar um defensor daquilo que faz, é alguém que ingressa numa carreira que em circunstâncias normais teria preterido.

Parece ser sobretudo esse o ponto de Marías: 
Não controlamos inteiramente o nosso destino e parte da maturidade que devemos adquirir com a vida adulta é, precisamente, aceitá-lo. Não o fazer é permanecer imaturo.

“Existem centenas de milhares de pessoas que se enquistam na adolescência ou na juventude, que se negam a abandoná-las e se eternizam na crença de que todas as possibilidades permanecem em aberto e de que nada está afectado pela rugosidade do passado porque o passado ainda não chegou; como se o tempo lhes tivesse obedecido quando lhe disseram um dia, distraidamente, nem sequer com intensidade “Pára, está quieto, pára, que tenho de pensar”

Para Javier Marías a literatura (os romances que escreve) parece funcionar sempre como uma forma de se chegar ao conhecimento, tentando antes descobrir os mistérios que as personagens guardam, aquilo que nelas está invisível e que aos poucos vai saindo da penumbra das suas vidas. A sua prosa introspectiva (característica que o distingue da maioria dos autores espanhóis, e cada vez mais acentuada), serve para, aos poucos, ir tornando clara uma tentativa de compreensão do mundo.


Partilho aqui alguns excertos do livro:


" Descobriria que viver na certeza absoluta é aborrecido e condena a levar-se apenas uma existência, a real e a imaginária, e ninguém escapa à última. E que, por sua vez, a suspeita permanente não é tolerável, porque se torna extenuante observar sem cessar, a sua própria pessoa e os outros, sobretudo o outro mais próximo, e fazer comparações com as recordações, que nunca são fiáveis. Ninguém vê com nitidez aquilo que já não está à sua frente(...). Então, como pode alguém recordar com precisão aquilo que aconteceu há muito tempo?"

"Berta Isla sabia que vivia parcialmente com um desconhecido. E alguém que está proibido de dar explicações sobre meses inteiros da sua existência, acaba por sentir que tem autorização para não as dar sobre qualquer aspecto.(...) Berta, aos treze anos apaixonou-se pelo jovem Nevinson, primitiva e obcecadamente.(...) uma paixão que, se enraíza logo de seguida e parece inabalável até ao fim dos tempos, e que depende muito de decisões elementares e arbitrárias, mas também estéticas e presumidas. Claro que se trata de uma paixão teórica e completamente questionável, aprendida nos romances e nos filmes, uma projecção fantasiada(...) Numa época em que ainda era costume que, ao deixarem de ser solteiras, as mulheres acrescentassem um "de" ao seu apelido, seguido pelo do marido (...) passar a ser Berta Isla de Nevinson (...)Tomás e Berta souberam logo que com eles era a sério. A Tom Nevinson sucedeu o que sucede a tantos rapazes: respeitam demasiado aquela que escolheram como amor da sua vida presente, futura e eterna, e evitam exceder-se com ela como não evitam com as outras, e é frequente exagerarem a protecção e o cuidado, porque a vêem como um ideal, apesar de ser de carne e osso, por temerem profaná-la . E a Berta aconteceu aquilo que sucede a muitas raparigas: sabedoras de que, embora lhes possam tocar sem reservas e com curiosidade em serem profanadas, não querem passar por impacientes e menos ainda por ávidas. De tal maneira que não é raro que, de tanto se guardarem e serem admiradas  com paixão e beijadas com cuidado, excluindo zonas do corpo; de tanto acariciarem com deferência e travarem quando sentem que a deferência sucumbe, a primeira vez que concretizam os seus amores o fazem em separado e vicariamente, ou seja, com terceiros ocasionais. Perderam os dois a virgindade no seu primeiro ano de faculdade, ela em Madrid e ele em Londres, e nenhum deles contou ao outro."

"Nada dessas profissões molda o mundo, disse Wheeler a Tom.
O que molda o mundo, Professor?
Claro que ninguém o molda por si só(...)na verdade somos desterrados do Universo(...)em nada o altera a nossa supressão nem o nosso nascimento, o nosso parcimonioso percurso, a nossa existência, o nosso arriscado aparecimento, nem o nosso inevitável aniquilamento.(...)
Então, porque me fala de moldar, se nada nem ninguém o fazem, professor?
O Universo influencia-nos a todos e sem que nos seja possível intervir nele.(...)mas há medidas: O homem que fica em casa está mais desterrado do universo do que o que sai; aquele que actua é-o menos do que aquele que permanece quieto, embora o primeiro acabe por desperdiçar o seu esforço. Um actor ou um professor universitário está mais desterrado do universo do que um político ou um cientista. Estes pelo menos tentam modificá-lo um pouco, despentear-lhe uma madeixa, alterar-lhe o gesto, fazê-lo arquear uma sobrancelha perante o atrevimento.
O que me está a sugerir? Que entre para a Política?
Wheeler riu-se e respondeu: Não te sugiro isso de modo algum. Os políticos não são os que mais moldam. Moldam mais aqueles que não estão expostos, os que não estão à vista, seres desconhecidos e opacos que ninguém conhece.(...) maquinam e tecem fios na sombra. Toda a gente sabe quem são os governantes, e mesmo as grandes fortunas, e os militares com poder, e os cientistas que realizam progressos deslumbrantes.(...) As pessoas conspícuas estão hoje tão expostas que esta mesma sobreexposição as anula, e no futuro ainda estarão mais. Não poderão dar um passo sem serem seguidas por jornalistas e câmaras, sem serem vigiadas, e assim não se consegue moldar o mundo. Nada influencia sem mistério, sem bruma, (...) Tudo aquilo que é conhecido está destinado a ser engolido e a tornar-se trivial, e portanto, a não exercer verdadeira influência. Aquilo que é visível, o que é espectáculo do domínio público, isso nunca muda nada. Ao contrário daquilo em que as pessoas acreditam, o molde não mudou de um dia para o outro porque há uns anos três astronautas pisaram a Lua. Continua tudo na mesma depois disso, que diferença fez na vida de alguém, para a configuração e funcionamento do Universo? A façanha até foi transmitida pela televisão, e aí reside a prova da sua irrelevância definitiva. Aquilo que é decisivo nunca se mostra, nem sequer se comunica, pelo menos no seu momento; pelo contrário, esconde-se e silencia-se sempre. Se por acaso se conta, já não interessa, passa a passado remoto, e as pessoas não dão importância ao passado, julgam que não as afecta e que não se pode mudar.(...)Aqueles que actuam a coberto do nevoeiro e de costas para tudo o resto, e não reclamam nem precisam de reconhecimento, são os que perturbam mais o universo. Muito escassamente, é verdade. Mas, pelo menos incomodam-no um pouco e obrigam-no a adoptar outra postura. É o máximo a que podemos aspirar, para não sermos em absoluto uns tristes desterrados."

"A paz, infelizmente, é sempre aparente e transitória, um fingimento. O estado natural do mundo é o de guerra. Geralmente aberta e, quando não, latente ou indirecta ou meramente adiada. Existem grandes porções da humanidade que estão sempre a fazer mal a outras, ou a roubar-lhes alguma coisa, e o rancor e o desacordo reinam sempre e, se não reinam, estão preparados e à espreita. Quando não há guerra, existe a sua ameaça, e aquilo que vocês, os dotados, podem fazer é mantê-la nessa fase, na da postergação, apenas na ameaça sem se desencadear. São capazes de as evitar ou, pelo menos de as desviar e atrasar aos actuais vivos, de conseguir que ecludam mais tarde, quando já estiverem outros para as padecer e talvez novos dotados para as voltarem a desviar e adiar. E isto é intervir no universo, Tom. Ao de leve. É como tapá-lo e contê-lo....provisoriamente, parece-te pouco?"

"A tentação de intervir um pouco no universo, mesmo que fosse apenas minimamente, e de não passar por este como um baú, ou um contentor de lixo ou um móvel. Segundo Wheeler era assim que passavam por ele quase todos os homens e mulheres desde o início dos tempos: toda esta gente que se empenhava diariamente e que não tinha descanso desde que se levantava até que se deitava, que respondia a mil afazeres e se esfalfava a fim de levar o sustento para casa, ou que julgava influenciar os seus semelhantes, ou dominá-los, ou deslumbrá-los, acabava por ser tão indiferente como o lojista que se limitava a abrir e fechar a sua loja dia após dia às horas certas, ao longo de toda a vida, sem nunca alterar a sua rotina. Desterrados todos desde o seu nascimento, ou desde a sua concepção, ou mesmo desde antes: desde que foram meramente imaginados por uns pais irresponsáveis ou inconscientes, ou ignorantes da enésima peça restante que fabricariam com os seus actos instintivos."

"...o hábito faz milagres e confere categoria de necessidade aos caprichos e ao que é supérfluo.(...) Permaneceram juntos pouco menos de uma hora, passando nesse tempo da ilusão do anunciado à melancolia daquilo que recém-sucedido já não deixa recordação nem, claro está, saudades, e na verdade começou a estar a mais e a esquecer-se enquanto ainda está a acontecer: sexo higiénico e não elaborado, sexo receitado porque se deve fazer de quantos em quantos dias ou, pelo menos, de quantas em quantas semanas e quem não o tem é um pária e porque já vai sendo tempo - mais a ideia do que a prática -, sexo apático uma vez consumado e, visto em retrospectiva , após o qual predomina um pensamento incómodo: "Senti a urgência, mas a verdade é que bem poderia ter poupado o esforço, agora que terminou sem alegria e com alguma lástima; não valeu a pena." E ao mesmo tempo, saber que não é verdade; se pudesse voltar atrás sentiria de novo a urgência e seguiria em frente. Tom sentia pena de Janet, e não tinha a certeza se ela também não sentia o mesmo por ele."

"Um desterrado do universo", pensou Tom Nevinson de imediato, fazendo eco das palavras de Wheeler, copiando-as mentalmente só que expresso de modo ainda mais cru e sem apoio literário. Dizem-no como se não fosse esse o destino de quase todos nós, como se isso não fosse aquilo que espera por todas as pessoas desde o seu nascimento, passarem pela Terra sem que a sua presença a altere minimamente, como se todos fôssemos apenas adornos, figurantes de um drama ou figuras de fundo imóveis até à eternidade num quadro, massa indistinguível e prescindível e supérflua, comutáveis e invisíveis todos, todos ninguém. As excepções são tão escassas que podemos considerar que não contam, e mesmo destas, não fica nem rasto ao fim de pouco tempo, de um século ou de dez anos: a maior parte iguala-se aos que jamais importaram, e é como se nenhum tivesse existido, ou talvez como um molho de erva, um grão de pó, uma vida, uma guerra, uma cinza, um vento que ninguém recorda. Nem sequer as guerras se recordam, uma vez limpo o campo. Até esse deputado Saumarez-Hill o será  já, ao contrário daquilo que julga; também ele será ninguém, se partilhava a sua amante comigo e se assemelhava a mim através dela, sabendo-o ou sem o saber."

"Casei-me com Tomás Nevinson(...) ainda não tínhamos 23 anos(...). Suponho que foi o cumprir de uma antiga determinação, um daqueles objectivos que se fixam na infância ou na adolescência e que são difíceis de erradicar, mesmo de moderar, por muito que as circunstâncias tenham mudado. Os sentimentos também mas, para ver e admitir este último aspecto, será preciso passar muito mais tempo, e sobretudo, parece necessário concretizar os velhos projectos antes de pensar em renunciar a eles. É preciso transpor uma linha que já não permite que se volte atrás para compreendermos e nos arrependermos, para querermos voltar atrás e aceitar que se cometeu uma asneira: há que cometer um erro até ao fim para confirmar que era um erro, e então tentamos sair dele quando já é demasiado tarde para o desfazer sem danos e sem estrondos."

"...sempre soube que é melhor não perguntar aquilo a que jamais obteremos resposta ou, pelo menos, uma verdadeira. Isto só provoca frustração. Mais vale esperar que o outro conte quando não lhe restar alternativa, quando a sua situação for desesperada, ou seja desmascarado, ou já não aguente calar mais ( e quase ninguém aguenta calar até à sepultura, nem sequer aquilo que mancha e prejudicará a sua memória). E se sei isto tão bem é por experiência própria: quase nunca respondi com veracidade a nada daquilo que preferia que não se soubesse."

"Daquilo que não nos contam nada sabemos, e nem sequer daquilo que contam. Temos tendência a dar isto por certo, a pensar que as pessoas dizem a verdade, e não prestamos muita atenção nem perdemos tempo com desconfianças, não poderíamos viver a vida se assim o fizéssemos, se puséssemos em causa as afirmações mais triviais, porque ninguém iria mentir a propósito do seu nome, do seu trabalho, da sua profissão, das suas origens, dos seus gostos e costumes, da informação que todos trocamos gratuitamente, tantas vezes sem que nem nos perguntem, sem que ninguém tenha revelado o menor interesse em saber quem somos, o que fazemos ou como estamos, quase todos contamos mais do que o conveniente ou, ainda pior, incluímos outros dados e histórias que nada lhes interessam e damos por certa uma curiosidade que não existe, por que haveria alguém de sentir curiosidade por mim, por ti, por ele, poucos sentirão a nossa falta se desaparecermos e ainda menos se interrogarão sobre nós."

"Que fácil é não saber nada, que fácil é andar às cegas, que fácil é enganar e não digamos mentir, algo sem mérito e ao alcance de qualquer idiota, é curioso que os mentirosos se julgam espertos e habilidosos, quando para isso não é necessária a menor habilidade. Quanto daquilo que nos dizem pode ser ou não ser, pode ser o mais decisivo e o mais indiferente, o mais inócuo e o mais crucial, aquilo que afecta a nossa existência e aquilo que nem sequer a toca de raspão. Podemos viver num erro contínuo, acreditarmos que temos uma vida estável e descobrimos que é tudo inseguro, pantanoso, não manuseável, sem fundamento em terra firme; ou que é tudo uma representação, como se estivéssemos num teatro convencidos de que estávamos na vida real e não nos tivéssemos apercebido de que as luzes se tinham apagado e o pano subira e de que, além disso, estávamos no palco e não lá em baixo no meio dos espectadores, ou no ecrã de um cinema sem podermos sair, presos no filme e obrigados a repetirmo-nos a cada nova projecção, transformados em celulóide e sem poderes para alterarmos os factos, o argumento, a planificação nem a perspectiva nem a luz, a história que alguém decidiu que fosse nossa para sempre como é. Uma pessoa toma consciência, na própria vida, de que existem coisas tão irreversíveis como uma história já vista ou lida, isto é, já contada; coisas que nos conduzem por um caminho do qual mal temos possibilidade de nos afastar ou no qual, quando muito, nos permitem improvisar, talvez apenas um gesto ou um piscar de olhos inadvertidos; ao qual nos devemos cingir mesmo para tentar escapar, porque sem o termos querido já estamos nele e condiciona os nossos movimentos e os nossos passos envenenados, para o seguir ou para fugir, tanto dá.  A verdade é que circulamos por ele contra aquilo em que acreditávamos e contra a nossa vontade, alguém nos meteu nele e, no meu caso, esse alguém é o meu marido, o homem que amo há séculos e a quem uni para sempre a minha existência ou foi esta a minha intenção."

"O pior que se pode imaginar é não se poder negar, nem sequer discutir, reflectir ou argumentar, ter de obedecer a tudo o que passe pela cabeça de qualquer um com uma patente superior, mesmo aqueles que se reprova ou provocam repugnância, ter de tragar o vinho nauseabundo que outro indivíduo nos dá a beber. Com mais ou menos matizes, isto é o que nos toca a quase todos seja qual for o nosso mister, desde o berço até à campa: há quase sempre alguém mais acima de nós que nos indica aquilo que temos de fazer e que não podemos contradizer."

"Quase todos nós gostamos de acreditar que somos imprescindíveis, que contribuímos com qualquer coisa através da nossa existência, que esta não é inútil nem completamente indiferente. Eu própria, desde que fui mãe, considero-me uma espécie de heroína por isso e caminho pelas ruas a sentir-me merecedora de respeito e gratidão, como vi outras mães fazerem. Agora julgo ter contribuído para o conjunto: pus na terra alguém que poderá vir a ser fundamental. Pobre criança, pobres crianças, se soubessem quanta fé abstracta depositamos neles. Quase todos nós gostamos de acreditar nisto, mas a maior parte sabe que não é assim. Tudo funcionaria sem nós, porque somos comutáveis e substituíveis, com efeito existe uma fila interminável à espera que deixemos o nosso espaço livre, por mais modesto que seja. Se desaparecermos não darão pela nossa falta, o vazio será preenchido sem solução de continuidade, como um tecido que regenera depressa, como a cauda de uma lagartixa que volta a crescer, e quem se lembra ainda de quem lha cortou."

"É preciso perder-se muito antes de se renunciar àquilo que se tem, mais ainda se aquilo que se tem corresponde a um propósito antigo, a uma determinação com elementos de obstinação. Os nossos ímpetos e expectativas vão-se reduzindo, vamo-nos conformando com versões deterioradas daquilo que quisemos alcançar ou julgávamos ter alcançado, vamos admitindo descontos e imperfeições em todas as fases da nossa vida, vamos deixando as exigências de lado.(...) Na maior parte das vezes, após o acesso de fúria, começa a rogar para o seu íntimo que a coisa tenha sido venial, uma veleidade, um capricho, um aborrecimento, uma estultícia, uma obnubilação passageira; que não seja uma coisa a sério que ameace escorraçar por completo a parte enganada, como se costuma dizer, substituí-la e usurpar o seu lugar. Nesta reacção não só intervém um factor de conservação daquilo que se conseguiu e ainda se possui - o medo do vazio e a infinita preguiça de voltar a dar os primeiros passos - , como também a vantagem de ter o outro em dívida. Se uma pessoa se mantém ao lado da outra, se passa um pano sobre a infidelidade, fica sempre em condições de mostrar a cicatriz e de recriminar, mesmo que seja apenas com o olhar, ou com o passar do tempo, ou com a maneira de respirar. Ou com a de calar, sobretudo se não vem a propósito calar, e o outro interrogar-se-á: Porque não responde, porque não diz nada, porque não levanta a vista? Estará a reviver aquilo que aconteceu?"

"Não sei o que pensa nem o que recorda, não sei em que se perde nem nunca o saberei. Penso então que todos temos as nossas tristezas secretas. Mesmo os que permanecemos quietos e não nos sujeitámos a abanões aparatosos. Ou como escreveu Dickens, "qualquer criatura humana está destinada a representar um profundo segredo e mistério para todas as outras. É uma consideração solene que, quando chego a uma grande cidade à noite, cada uma dessas casas dispostas sombriamente encerra o seu próprio segredo; que cada sala numa delas encerra o seu próprio segredo; que cada coração palpitante nas centenas de milhares de peitos que ali se escondem é, nalgumas das suas figurações, um segredo para o coração mais próximo, aquele que dormita e palpita ao seu lado. E há em tudo isto algo atribuível ao horror"

"Talvez pense que, tudo somado, pertence àquele tipo de pessoas que não se vêem como protagonistas nem da sua própria história, sacudida por outros desde o início; que descobrem a meio do caminho que, por únicas que todas sejam, a sua não merecerá ser contada por ninguém, ou será apenas objecto de referências ao contar-se a de outra, mais atribulada e chamativa, e sobretudo mais apreciada. Nem sequer como passatempo de uma conversa à mesa após uma refeição, ou de uma noite junto à lareira, sem sono. Isto é aquilo que costuma acontecer com as vidas que, como a minha e também a dele, na realidade como tantas e tantas, somente estão e esperam."







terça-feira, 26 de novembro de 2019

Eu Falo Das Casas E Dos Homens


Kenan Talas






Eu falo das casas e dos homens, 
dos vivos e dos mortos: 
do que passa e não volta nunca mais... 
Não me venham dizer que estava matematicamente 
previsto, 
ah, não me venham com teorias! 
Eu vejo a desolação e a fome, 
as angústias sem nome, 
os pavores marcados para sempre nas faces trágicas 
das vítimas. 
E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima, 
uma insignificante parcela da tragédia. 
Eu, se visse, não acreditava. 
Se visse, dava em louco ou profeta, 
dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada, 
- mas não acreditava! 

Olho os homens, as casas e os bichos. 
Olho num pasmo sem limites, 
e fico sem palavras, 
na dor de serem homens que fizeram tudo isto: 
esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira, 
esta lama de sangue e alma, 
de coisa e ser, 
e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma 
esperança, 
se o ódio sequer servirá para alguma coisa... 

Deixai-me chorar - e chorai! 
As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos 
vivos, 
de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito
instituição 
e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama, 
por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio, 
por um segundo seremos os mortos e os torturados, 
os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados, 
seremos a terra podre de tanto cadáver, 
seremos o sangue das árvores, 
o ventre doloroso das casas saqueadas, 
- sim, por um momento seremos a dor de tudo isto... 

Eu não sei porque me caem as lágrimas, 
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim, 
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra, 
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto, 
eu que estou na minha casa sossegada, 
eu que não tenho guerra à porta, 
- eu porque tremo e soluço? 
Quem chora em mim, dizei - quem chora em nós? 

Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus 
meandros: 
as ruas são ruas com gente e automóveis, 
não há sereias a gritar pavores irreprimíveis, 
e a miséria é a mesma miséria que já havia... 
E se tudo é igual aos dias antigos, 
apesar da Europa à nossa volta, exangue e mártir, 
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente, 
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos, 
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite 
à volta, 
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada... 


Adolfo Casais Monteiro





O Homem Livre




Só se pode sentir o que é o amor 
ao compreendermos a maneira como vivemos. 


A maioria de nós deseja uma definição do amor, ou buscamos aquele estado que chamamos “amor universal”, "cósmico”, “divino”, etc. etc., sem compreender nossa existência diária.


  • Não conhecemos, na vida quotidiana, nenhuma espécie de amizade, bondade, delicadeza? 
  • Nunca somos generosos, compassivos? 
  • Jamais temos o sentimento de ser espontaneamente bons para com alguém, ou em que revelamos grande humildade? 
  • Tudo isso não são expressões do amor? 
  • E, quando amamos alguém, não há então um sentimento total em que o “eu” é inexistente? 


O que geralmente acontece é que nos identificamos com uma pessoa, uma família, uma nação, um partido, uma ideologia, e, nessa auto-identificação com algo, encontro grande intensidade de sentimento, de ação; mas não nos esquecemos realmente de nós mesmos.
Pelo contrário, com a identificação nos expandimos.

O movimento, o partido, a ideologia, a igreja, ou o que quer que seja com que se identificou a mente, é um prolongamento do “eu”. O homem que, consciente ou inconscientemente, se identificou com algo, não tem amor, ainda que fale de amor. 

Quando falais sobre vosso amor à pátria, isso não significa que amais a pátria, constituída de pessoas, de entes humanos; o que amais é puramente a ideia de pátria, com a qual vos identificastes e pela qual estais dispostos a matar e a morrer. 

Assim sendo, consciente ou inconscientemente, a mente se identifica com alguma coisa — um movimento, um partido, uma ideologia, uma família, uma religião, um guru — e essa mente é incapaz de amar; afigura-se-me importante compreender isto, porque muita gente boa se perde por causa da identificação, por não perceber sua falsidade. 

E se a identificação, 
a que chamamos “amor”, 
não é amor, 
que é então o amor? 

Sem dúvida, o amor é o estado de espírito em que o “eu” perdeu toda a sua importância. 
Amar é ser amistoso. Compreendeis, senhores?
Quando amais, não tendes inimizade e não causais inimizade.
E vós causais inimizade ao pertencerdes a religiões, nações, partidos políticos.
Se possuís muitas terras, imensas riquezas, enquanto outro, pouco ou nada tem, causais inimizade, ainda que frequenteis os templos, ou mandeis construir templos com vossas riquezas.
Não tendes afabilidade quando estais em busca de posição, poder, prestígio.

Sim, todos vós acenareis com vossas cabeças e concordareis comigo, mas continuareis por vossos velhos caminhos; e a tragédia é, não a vossa falta de amor, porém, a falta de compreensão de vosso modo de vida, o não-percebimento do significado da maneira como realmente estais vivendo. Se realmente sentísseis isso, seríeis generosos. 

Por certo, a generosidade da mão e do coração é o começo da afabilidade; e onde há afabilidade não se necessita de justiça por força da Lei. Existindo afabilidade, há bondade, compaixão espontânea. Ocasionalmente, tendes sido amistosos, afáveis, sem pensardes em vós mesmos, sem estardes preocupados a respeito de vossa pátria, de vossos problemas.

E quando transcendemos tudo isso, surge algo completamente diverso — um estado em que a mente é compassiva e, todavia, “indiferente” . Conhecemos a indiferença no sentido de “desapego”, sendo este o resultado de cálculo, um ato concebido pela mente, a fim de proteger-se contra a dor. 

Conhecemos também a indiferença da mente que diz:
“Passei por muitas penas e angústias, e agora vou ser indiferente.”
Ora, isto é também ação da vontade.

Mas eu me refiro a uma indiferença totalmente desligada da indiferença intelectual concebida pela mente que deseja resistir ao sofrimento. Há uma indiferença originada da compaixão; a mente é compassiva e, todavia, “indiferente”. 
Já tivestes alguma vez tal sentimento?
Ao verdes um ser a penar, tratais de socorrê-lo e, entretanto, sois “indiferente” nesse próprio processo de socorrer.

Mas, em geral, que fazemos nós?
Apiedamo-nos porque vemos sofrimento, e desejamos alterar as coisas, promover uma reforma e, desse modo, nos lançamos de corpo e alma à ação; mas a mente de tal maneira está empenhada em produzir um resultado, que perde o “senso” da compaixão. 

Assim, se observardes o funcionamento de vossa própria mente, vereis que todas essas coisas se passam no quotidiano viver. Conheceis momentos de compaixão, momentos de amor, de generosidade, porém eles são bem raros.


 Todas as nossas ações calculadas 
se baseiam nesse processo de 
“vir a ser” algo importante, 
e só a mente que esta livre do “vir a ser” 
pode conhecer aquele amor 
que dissolve nossos numerosos problemas.




Jiddu Krishnamurti






domingo, 24 de novembro de 2019

O Que Somos





Uma vertigem, 
a dor que não passa, 
um sabor que nos falta, 
uma ardência que nos gasta. 

Por tudo isto nos movemos 
sem conhecer, muito bem, 
o destino final. 

Os amores, 
as estórias que necessitamos contar. 

De repente, 
vindo de um sítio inexplicável, 
alguém nos dá um beijo. 

Duas lágrimas embelezam uma face. 
Partes de um todo escondido.
É quase uma loucura, 
servida numa bandeja de fogo, 
a amálgama de sentimentos 
que faz de nós sua casa. 

Correr como uma criança, 
não olhar aos obstáculos, 
ultrapassar o impossível. 
Dar e pedir colo.

Somos, 
por vezes, 
a impossível convivência. 
Quase bichos. 
A muito estranha maneira de estar. 
A resposta sem sentido. 
As desculpas e o perdão. 
Tudo sem confissão nem genuflexório. 
Só festas e olhares de crianças perdidas. 
A absolvição sem rezas nem sacrifícios. 
Apenas uma dádiva, 
um colar de braços 
e uns lábios que se colam aos nossos. 
Os corpos ligados.

Somos uma montanha russa 
de sentimentos por estabilizar. 
Somos muitas vezes a louca e abrupta descida, 
o looping infernal. 
De cabeça para baixo, 
enchemos a consciência 
de tudo o que nos erra pelo corpo. 
Ficamos prenhes de coisas novas.

Nunca mais seremos os mesmos.


JORGE C FERREIRA






A Orquídea Branca





Uma mulher ganhou de presente um vaso com uma linda orquídea branca.
Ficou tão encantada que colocou a planta junto da árvore mais bonita do jardim...
A planta criou raízes que se prenderam na árvore... e a flor... no tempo certo... morreu.

Passou um tempo e a mulher se esqueceu da orquídea que acabou por se misturar com as muitas plantas do jardim...

Muito tempo depois, quando passeava distraída pelo jardim, ela viu a linda flor branca...
Com uma exclamação de alegria aproximou-se da linda orquídea que nasceu sem ser esperada... A mulher ficou de novo tão encantada que quis preservar ao máximo aquela flor tão preciosa, da chuva... do sol...

Enquanto admirava a sua beleza ia pensando numa forma de protegê-la para que ela ficasse o maior tempo possível enfeitando o jardim, sem sofrer nenhum dano nas aveludadas pétalas brancas...
Colocou então um plástico branco esticado sobre a planta... que protegia completamente a orquídea. Mas... também escondia a sua beleza...

Quem passasse por ali, com certeza, veria a proteção, que chamava a atenção porque destoava do que era a natureza... mas não via a orquídea... a menos que tivesse um olhar bem atento e sensível para o que estava além...

A orquídea até se sentiu feliz e orgulhosa... quando se viu tratada de forma tão especial, ao contrário das muitas flores que estavam espalhadas no jardim... e na primeira chuva que veio se sentiu protegida e confortável quando os grossos pingos não chegavam a tocar as suas delicadas pétalas... Ali de cima ela podia ver algumas flores perdendo uma pétala aqui, outra ali, e se curvando ao sabor das águas e do vento forte. E quando veio o sol a orquídea também não pôde sentir na pele das pétalas o calor, porque aquela proteção impedia que o sol a atingisse em cheio... como fazia com as outras flores do jardim.
Ela estava protegida, com certeza estava.
Mas não estava feliz...

Olhando as outras flores, ao sabor da chuva, do sol, podia ver um brilho especial nas pétalas e um viço diferente, e mesmo aquelas que perdiam algumas pétalas quando a água vinha mais forte, pareciam felizes, muito felizes, e exalavam vida, além de perfume.

A orquídea, mesmo linda, parecia pálida e sem vida... e se sentia assim.
E as chuvas foram caindo, o sol foi brilhando, as flores nasciam e morriam.
E a orquídea enfeitava o jardim, intacta e bela,
Mas, triste, muito triste.

Ela percebeu que o seu tempo estava a passar, e isso deu-lhe uma profunda tristeza por não poder ter vivido a chuva, o sol. Nunca pôde sentir a alegria incontida que percebia nas outras flores quando em contacto com as forças da natureza.
Aquele plástico que protegia, sufocava mais que tudo.
E o tempo que ela ganhou com esta proteção acabou se tornando tristeza.

E foi a lua, que também não tinha conseguido tocar diretamente as suas pétalas, que entendeu o sofrimento da orquídea, e sentiu uma profunda compaixão pela linda flor.
Num ato de amor, lançou um raio de luar tão intenso que desintegrou completamente o plástico que protegia a orquídea, que se rendeu feliz à lua, ao sol, à chuva, à vida, intensamente, até o seu último e derradeiro instante, colorido e encantado por gotas d'água, filtradas pelo sol em cores de arco íris.

Muitas vezes, os escudos que usamos para proteger, impedem de viver o melhor da vida e escondem o que tem de mais bonito.


Rubia A. Dantés




.................................. os teus amigos de verdade





Quando estás mal é que percebes quem são os teus amigos. Quando estamos bem toda a gente é nossa amiga, quando abrimos uma garrafa de champanhe toda a gente quer bebê-la connosco, mas quando estás sentado num lago de merda até ao nariz, raramente alguém vai entrar lá de joelhos e dar-te a mão para te tirar de lá. 
Ljubomir Stanisic




sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A história da repressão sexual


Anton Belovodchenko






A História da repressão sexual começa na tua casa! 
“Ahh… mas e a sociedade, a religião, a cultura?”
Não, não se engane. Tudo história da carochinha…
Você conheceu as regras da , que não podem chorar, que você tem que cuidar o que fala, que não pode ser vulgar… Ou só o fato de não se falar sobre sexo, não se tocar no assunto, você aprende que tem algo de errado naquilo, e consequentemente com você que sente aquilo.

Quando você cresce, só depois que você entende que tudo isso tem a ver com a cultura, com a religião, e com a história.
Antes de tudo, você aprendeu com seus pais, eles com os pais deles, e estes com seus pais e aí vamos parar em Adão e Eva. Só aí que talvez a história passe a ter alguma relevância.
Moisés foi o primeiro a colocar leis repressoras. 
Muito inteligente, inventou toda a história do Monte Sinai, esperou uns relâmpagos e desceu com resumo da “constituição de Deus”. Seu intuito era organizar aquela sociedade marcada pela divisão entre hebreus e egípcios e uma falta de critério, onde se matava por qualquer coisa as relações eram sem parâmetro algum. Nos mandamentos, começou com Deus, depois foi para os pais, até tabular as leis que regem nossa sociedade até hoje: “não pecar contra castidade” e “ não desejar a mulher do próximo”.
Esse parâmetro foi, aos poucos, determinando o que hoje chamamos de família, que na verdade foi criada única e exclusivamente para proteger e preservar a propriedade privada.

Se uma mulher tem relações com vários homens, o homem não pode saber quem é seu herdeiro, não pode saber para quem iria passar seus bens, daí, astuto, Moisés instituiu o adultério como proibição, com o consentimento de nada mais, nada menos que Deus.
E isso está presente até hoje.
Com o cristianismo, anos depois, A repressão se tornou oficial.
Veja, uns quantos bispos se juntaram e decidiram quem seria e como seria o judeu da Galileia, que se autointitulava “Messias”.

Existem registos muito sérios de que Jesus de Nazaré realizava rituais pagãos e que a culminância era o encontro sexual. No português claro: eles buscavam Deus através do sexo.
Além disso, a pessoa que deveria seguir levando seus ensinamentos para o mundo seria, não os apóstolos, e sim Maria Madalena, uma mulher!
Há quem diga ainda que ela (Madalena) era sua esposa.
Como os adeptos de Jesus cresciam no Império Romano, um determinado Constantino I decidiu unir os bispos e determinar que o cristianismo era a religião oficial de Roma e que Jesus era divino e Madalena uma prostituta.
Esconderam daí todos os evangelhos e registos que pudessem provar o contrário e chamaram de evangelhos apócrifos. Numa só canetada subjugaram a mulher, tornaram um homem divino retirando o sexo das relações. retirando do sexo o caráter divino e tornando algo sujo e usado unicamente para manter a família.

Como a capacidade sexual de uma mulher é infinitamente maior que a do homem, o homem através do patriarcado tratou de colocar a mulher abaixo. A função da igreja apostólica romana na idade média era caçar toda mulher que fosse livre sexualmente e que não obedecesse, queimando-as, torturando-as, massacrando-as.Na dinâmica da família, a mulher se tornou uma serviçal do lar e reprodutora.

É muito forte isso.
A mulher foi tão fortemente reprimida e impedida de sua sexualidade total que hoje é comum pensar que o homem é poligâmico e a mulher monogâmica. O homem pode frequentar o prostíbulo enquanto a mulher fica em casa tomando conta dos filhos. Quando que na verdade é a mulher que tem a capacidade para estar com quantos homens ela quiser. O homem, basta ejacular que vira um peso morto, só serve para roncar. Já a mulher tem a capacidade de ter múltiplos orgasmos e multiplicar o seu prazer, com um ou quantos homens ELA desejar.

Pare e pense um pouco, socialmente o puteiro serve como um estratagema muito horroroso da repressão:
Ele existe para que os homens não comecem a desejar “a mulher dos outros homens”. Existem mulheres especiais para isso, daí não existe ameaça à família e se mantém a mentira e a ordem da sociedade e para a produção.

Se pensar nos sentido da produção, dentro do capitalismo moderno, podemos acrescentar à família, a essa moralidade podre, a educação disseminada para todos. O que chamamos de educação hoje, nada mais é, do que uma preparação para o mercado de trabalho, a criação de um exército de reserva onde, principalmente pela ação da igreja, também é repassado esses valores distorcidos.
Agora, um problema muito sério é que nos últimos anos do capitalismo aconteceu também movimentos de libertação de tentativa de se libertar dessa repressão. Isso acabou trazendo a tona um aspecto muito triste da repressão: tudo que fica abafado que fica trancado apodrece. Daí essa disseminação da pornografia e da perversão sexual fruto de tantos anos de repressão.
Muita gente acabou indo para o outro lado vivendo uma sexualidade bagaceira e superficial, que inclusive hoje tem ares de sofisticação, com massagens tântricas e o escambau. Basta você entrar na internet e ter acesso a isso hoje em dia. É um mercado que movimenta bilhões.

Tudo isso é fruto desse histórico de repressão e violação da naturalidade humana. 
E quem é o ator principal nessa história é a família. 
A família é podre porque foi desenhada pela repressão, pela violação da natureza humana, desde sua origem. É o Veículo de perpetuação dos valores distorcidos, é a roda que gira toda essa máquina.


Aiman






People Get Ready

                                                     



People get ready
There's a train a-coming
You don't need no baggage
You just get on board
All you need is faith
To hear the diesels humming
Don't need no ticket
You just thank the Lord

People get ready
For the train to Jordan
Picking up passengers
From coast to coast
Faith is the key
Open the doors and board them
There's room for all 
Among the loved the most

There ain't no room
For the hopeless sinner
Who would hurt all mankind just
To save his own
Have pity on those 
Whose chances are thinner
Cause there's no hiding place
From the Kingdom's Throne


Curtis Mayfield






                           






                           








quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Mãe






"Não falo com a minha mãe há anos."
"Preferia não falar da minha mãe."
"A minha mãe é culpada da minha infância miserável."
"Se não fosse a minha mãe eu era feliz."
"Não me identifico de todo com a minha mãe".
e quem diz mãe, diz pai ou não raras vezes, os dois.



  • Sempre o julgamento a impedir que vejamos nos nossos criadores (pais), os mesmos dilemas que se escondem na criatura (sim, nós próprios)!
  • Sempre a projeção no outro, daquilo que nos recusamos a ver em nós.
  • Sempre o idealismo que espera do outro a perfeição, a santidade, o sacrifício, o exemplo ou modelo daquilo que "EU QUERO!" que o outro seja.
  • Sempre a ilusão e respetivas desilusões de olharmos para o mundo como gostaríamos que ele fosse, mas incapazes de o ver perfeito como ele é pela lente das leis universais e das aprendizagens que cada um de nós vem fazer.
  • Sempre a ignorância sobre as leis. A da atracção que nos fez nascer na família que temos, e a do Karma que nos fez viver através da mãe ou do pai ou de ambos, consequências de velhos formatos de conduta que vêm agora ser curados e transformados.
  • Sempre a incapacidade de reconhecer que atraímos o que precisamos e não o que queremos. O que os pais não deram, cabe-nos a nós encontrar.
  • Sempre a deprimente vitimização que continua a ter mais aplauso e atenção do que o trabalho de terapia, consciência, responsabilidade e transformação pessoal.
  • Sempre a falta de consciência e responsabilidade pessoal sobre o estado da nossa energia pessoal e de tudo o que ela atrai, manifesta e precisa manifestar para libertar a densidade que carrega e atrai.
  • Sempre a cegueira quanto aos padrões que nos rodeiam e que nos impedem de ver que o pior que vejo no outro também está em mim.
  • Sempre o julgamento a impedir que percebamos que quem admiramos nos mostra os nossos padrões já curados, e quem nos desafia representa os nossos padrões por curar.

Todos os dias lido com uma ou várias destas vertentes quando ouço as pessoas a relatarem a sua realidade, principalmente na sua relação com os pais.

Independentemente se estão vivos ou já partiram, se estão presentes ou distantes, se há violência ou não há contacto nenhum, a cura acontece não propriamente com os pais mas sim com as representações internas que temos deles.
Com as ilusões e expectativas irrealistas que tivemos em relação a eles de serem os pais perfeitos. Com os espelhos que eles representam que nos levam à nossa própria cura.
Com a nossa incapacidade de os vermos como humanos com o seu próprio percurso evolutivo.

Não é raro ouvir pessoas dizerem que precisam de perdoar, ou que já perdoaram os pais.
Perdoar implica que alguém falhou.
A antiga sabedoria oriental diz que:
"Tudo está certo, no tempo certo, com a pessoa certa."

A cura não acontece de fora para dentro, mudando os outros ou as circunstâncias.
A cura é a pacificação com a realidade, partindo do princípio que a realidade é inteligente e representa as condições perfeitas, os eventos e pessoas que irão incentivar a nossa evolução.

Deixo então a questão:

Já fizeste 
as aprendizagens e as pazes 
com a realidade que atraíste?



Vera Luz