quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Projecto de Bodas






Hoje apetece que uma rosa seja 
o coração exterior do dia 
e a tua adolescência de cereja 
no meu bico de Isolda cotovia. 

Hoje apetece a intuição dum cais 
para a lucidez de não chegar a tempo 
e ficarmos violetas nupciais 
com a lua a celebrar o casamento. 

Apetece uma casa cor-de-rosa 
com um galo vermelho no telhado 
e os degraus duma seda vagarosa 
que nunca chegue à varanda do noivado. 

Hoje apetece que o cigarro saiba 
a ter fumado uma cidade toda. 
Ser o anel onde o teu dedo caiba 
e faltarmos os dois à nossa boda. 

Hoje apetece um interior de esponja 
E como estátua a que moldar o vento. 
Deitar as sortes e, se sair monja, 
Navegar ao acaso o meu convento. 

Hoje apetece o mundo pelo modo 
Como vai despenhar-se um trapezista. 
Abrir mais uma flor no nosso lodo: 
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista. 

Hoje apetece que a cor dum automóvel 
Seja o Egipto de novo em movimento; 
E que no espaço duma gota imóvel 
Caiba a possível capital do vento. 

Hoje apetece ter nascido loiro 
Como apetece ter havido Atenas; 
E tu nas curvas rápidas de um toiro. 
E eu quase intangível como as renas. 

Hoje apetece que venhas no jornal 
Como um anúncio. Sem fotografia. 
E inventar-te uma lenda de cristal 
Para reflectir a minha biografia. 


Natália Correia
in, 'O Sol nas Noites e o Luar nos Dias'






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