quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

e era noite





e era noite 
o espaço por mim habitado 
lugar onde imaginava 
os encontros do apóstolo com 
“os que jaziam 
na região sombria da morte” 

e era noite 
o tempo que me cobria quando 
na mente ecoavam as palavras 
que me tinham dito um dia: 
“entra apenas. permanece até ao fim. 
e sai mudado.” 

e era noite 
e eu buscava uma porta 
passagem 
para esse outro lugar 
onde aprenderia a pegar no fogo 
sem me queimar 

e era noite 
quando em meu peito repousaste a cabeça 
teus longos cabelos 
se espraiando em meu colo 
caindo por trás do pescoço que 
abandonaras nos meus braços 

e era noite 
quando mergulhei na luz do teu olhar 
e cometendo uma heresia 
disse: “eu sei que não sou digno 
que entres na minha morada 
mas diz uma palavra e serei salvo” 

e era noite 
quando dois rubros lábios  
me revelaram com três sílabas 
a porta nimbada de ternura que buscava 
e resgatado ao deserto 
assim me entregaste de novo à vida. 


Rui Amaral Mendes 
in, "A Noite o Sangue"






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