domingo, 17 de dezembro de 2017

Amigo, a que Vieste?





Onde foste ao bater das quatro horas 
e, antes, quem eras tu, se eras? 
Amigo ou inimigo, posso falar-te agora 
sentado à minha frente e com os ombros 
vergados ao peso da caneta? 
Falo-te sobre a cabeça baixa 
e vejo para além de ti, no horizonte, 
teus riscos e passadas; 
mas não sei onde foste, nem se eras. 
Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva, 
fazendo gestos largos ou só um leve aceno; 
dizes palavras antigas, 
de antes das quatro horas, 
e nada sei de ti que tu me digas 
dessa cabeça surda. 
Não te pergunto pela verdade, 
que pensas de amanhã ou se já leste Goethe; 
sequer se amaste ou amas 
misteriosamente 
uma mulher, um peixe, uma papoila. 
Não quero essa mudez de condolências 
a mim, a ti, ou só à terra 
que tu e eu pisamos — e comemos. 
Pergunto simplesmente se tu eras, 
quem eras, e onde foste 
depois que se fizeram quatro horas. 

Será que não tens olhos? Não tos vejo. 
De longe em longe 
agitas a cabeça, mas talvez seja engano. 
Palavra, não te entendo. 
Amigo, a que vieste? 



Pedro Tamen 
in, "Horácio e Coriáceo" 






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