sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
APESAR DE
Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele, e de também criticar o seu guarda-roupa (onde é que você desencavou esta calça amarela?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém.
Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada.
Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de.
Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.
Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários.
E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora?
Agora convoquem o amor para resolver esta encrenca.
O par ideal não existe.
Esta tal de alma gémea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco para ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gémea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gémea pode muito bem viver em Kuala Lumpur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes?
O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém.
Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida.
E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais?
Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando o seu clube perde, ela desmorona quando é criticada.
Ele tem medo de alturas, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insónia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio.
Mas se adoram, apesar de.
Martha Medeiros
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